segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ntsindya, Um centro de cultura e berço do nacionalismo


A HISTÓRIA dos povos é (ainda) feita também por personalidades, embora elas, sozinhas, isoladas dos seus contemporâneos nos demais contextos da sua passagem pela face da terra, não possam fazer história. Manhã de domingo, num Xipamanine algo posto à prova pelos pingos que caíam das alturas, o Ntsindya se preparava para acolher uma visita ilustre. A do presidente da República, que ali iria cumprir aquela que acabaria por se tornar na mais emotiva trajectória da sua visita à cidade de Maputo, que por sinal terminava naquele 25 de Maputo, Abril, a data em que os nossos opressores de ontem celebravam a queda do seu fascismo.

Ora, com Armando Guebuza no Centro Cultural Municipal, os poucos moçambicanos ali presentes (poucos porque o espaço é pouco mais que minúsculo) recordavam parte do como se fez a liberdade de Moçambique. Mas também recordavam, os saudosistas e os nostálgicos, momentos culturais que de certeza jamais voltarão (pelo menos como eram em seu tempo), porque o Ntsindya foi no tempo colonial também um local de uma cultura efervescente, com bailes e saraus que juntavam vários jovens dos anos 1960/70, alguns dos quais ilustres figuras da vida política, cultural ou de outra índole no nosso país.

Guebuza era, naquela manhã, um homem que regressava às suas origens. É ali que em parte se forjou a sua consciência nacionalista. Um intenso programa cultural tinha sido preparado. À chegada, o pequeno salão do Ntsindya (se os nossos horizontes forem salas de espectáculo médias no país, como um cinema Scala, Gil Vicente ou Charlot, se não quisermos exagerar e compara-lo a um cine África) estava repleto de contemporâneos de Guebuza, como ele na maioria de cabeças repletas de branco, mas alguns já desdentados pelo tempo, outros com espinhas a traçarem verdadeiras parábolas, e outros ainda de vozes afagadas e trémulas… provas evidentes da sua longa presença nesta face do mundo com que, orgulhosamente, convergimos.

À esta geração se juntavam alguns jovens, que iriam consumir durante quase hora e meia, o que a maioria dos presentes vivia intensamente nos anos que recordavam com saudosismo.

Estava preparado para o Ntsindya um programa que incluía poesia e música. Duas mamanas da geração de Guebuza declamaram dois poemas de Albino Magaia, “Quando eu Morrer” e “Meu País” – de conteúdo fortemente nacionalista (não tivessem sido escritos por um grande nacionalista moçambicano, nosso colega de jornalismo) –, e, apoteoticamente, o Grupo Djambu, mítico pelo seu papel de dinamizador da marrabenta.

O Djambu que actuou domingo era o resgate daqueles que, no tempo colonial eram as estrelas de “KaHlamankulu ni Xipamanine”, as zonas adjacentes ao Ntsindya. Várias canções, ao ritmo da marrabenta, contagiaram de alegria a sala, arrancando palmas quase que ininterruptas. O ilustre visitante era actor activo nesses aplausos.

PALCO DE SÉRIAS BATALHAS POLÍTICAS

No final da actuação o Presidente foi ao palco e contou um pouco da história e da importância do Ntsindya. Falou da sua juventude ali, onde fez o ensino primário, deu aulas e dirigiu o Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM).

“Este foi um dos berços do nosso nacionalismo. Tínhamos aqui muitas reuniões, em que falávamos da liberdade, do caminho que devíamos usar para atingi-la”, começou por contar Guebuza, que ia chamando por nome os integrantes da orquestra e outros presentes que com ele partilharam esses momentos políticos e culturais no centro.

“Travámos aqui imensas batalhas políticas, sérias, depois de termos aqui muitos dos nossos banhos de política, principal mente através do NESAM. Cada uma das salas (do Ntsindya) desempenhou a sua importância no contexto do nosso nacionalismo. Nós assustávamos o regime colonial, a PIDE”, afirmou.

O Ntsindya foi, por estes e por outros factos, um dos berços do nacionalismo moçambicano. Foi esse berço e é hoje uma fonte de conhecimento da nossa história, essa que nós escrevemos no nosso dia-a-dia com as nossas acções em prol do nosso país, essa que os nossos compatriotas de ontem, como geração, escreveram ao darem o máximo de si para fazerem de Moçambique uma pátria. É por isso que personalidades como o actual Presidente também são actores da História de Moçambique, uma vez que, inserido numa determinada época, a de luta pela independência, também teve um papel para uma geração.


Recordando uma época no Ntsindya (A. Marrengula)
FUI EXCLUÍDO DO GRUPO…

O Presidente congratulou-se com o facto de, na sua opinião, o lugar “ter mudado para melhor”, mercê da reabilitação (“sem ser descaracterizado”) a que foi submetida nos últimos anos. Hoje o Ntsindya é o centro cultural municipal, movimentando disciplinas culturais como o canto e dança, dinamizado por um grupo de crianças denominado Estrelinhas do Ntsindya (que também actuou domingo) e albergando biblioteca e centro multimédia com acesso à Internet.

No final da actuação dos velhinhos Orquestra Djambu – na verdade um grupo mesclando membros ainda vivos daquele célebre grupo e uma juventude a quem se poderá estar a passar o testemunho –, um incontido Guebuza distribuía calorosos abraços aos artistas em palco. Contando a sua afinidade com cada um deles (“este andava quase sempre comigo”…), o Presidente não deixou de gracejar por não ter sido chamado ao palco para fazer o que – tal como ele mesmo afirmou – também fazia (mas no salão, porque não há relatos de um Armando Guebuza bailarino) … “Estes meus companheiros excluíram-me. Eu também dançava naqueles tempos, quando era jovem. Hoje só me puseram a contemplar a beleza da sua música e dança”, comentou.

O Ntsindya ficou conhecido na história colonial como o centro associativo onde os negros se divertiam. Ainda bem que nele não se dançava fado, porque, realmente, ali não cabia antes de 1975…

Gil Filipe

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