segunda-feira, 27 de julho de 2009

A marcha nupcial moçambicana



Realizou-se de 14 a 16 de Maio último a II Conferência Nacional Sobre Cultura, que contou com a participação de gente de todos os estratos sociais da população deste belo Moçambique. As questões da Identidade Cultural foram as que mereceram maior destaque nesta conferência havida em Maputo, numa prelecção que foi uma verdadeira festa da diversidade do mosaico cultural nacional.
Todavia, apesar dos debates calorosos e apaixonantes e das brilhantes comunicações apresentadas com profundidade pelos nossos intelectuais e académicos, que encheram de orgulho a plateia, ao constatar que Moçambique já tem filhos tão brilhantes como Mondlane, cuja memória será recordada ao longo de 2009, ano da celebração dos 40 anos depois do seu macabro assassinato, acreditamos que se fosse vivo orgulhar-se-ia por ver que a sua semente está a dar os frutos que sempre desejou. Mas mesmo assim, algo ficou esquecido nestes debates, o que é natural, dado haver tantos assuntos para poucos dias da conferência.

Eu, reflectindo sobre o pós-conferência, não só tenho ainda muitas perguntas a inquietarem o meu ego, como também me propus a trabalhar na busca de “novos” caminhos que nos conduzam a resgatar valores esquecidos, adaptando-os ou renovando outros para que se insiram na vida contemporânea da nossa sociedade.

Mas comecemos pelas perguntas que a Conferência nem sequer aflorou, mas que a mim apoquentam dia e noite.
Porque é que celebramos carnaval baseado na história e calendário romano? Será que não temos algo semelhante na nossa história e nas nossas tradições que possam corresponder ao carnaval como é feito na Europa e nas Américas e num calendário adequado à realidade africana, e neste caso moçambicana?

Qual é a relação que o Dia de São Valentim tem connosco, com a nossa cultura e com as nossas tradições? Será que nós somos seres insensíveis e incapazes de amar? Não há histórias ou factos que possam levar a nossa sociedade a proclamar o seu dia dos Namorados? Permitam-me recordar aqui a história recente da nigeriana Amina Lawal que foi condenada por amar. Ela engravidou de um homem que amava, como única forma de fazer valer a sua paixão, desafiando tabus impostos por uma certa religião que a muito precisava de reforma. Esta mulher, em defesa do Amor, enfrentou uma condenação à morte decretada pelo regime que trocou as tradições da sua cultura pela religião trazida do exterior.

ENFRENTANDO A MORTE POR AMOR
Ela tinha de enfrentar a morte simplesmente porque amava.
Graças à solidariedade nacional e internacional, que inclusive impediram a realização do concurso Miss Mundo, e do aviso dos jogadores da famosa e poderosa selecção nigeriana a ameaçarem desistir de participar em competições internacionais incluindo a copa africana em protesto contra a decisão de sentenciar a morte a mulher que engravidou do homem por quem nutria o nobre sentimento que é o amor.

A pergunta que se faz é: o que dizem a isto os apaixonados do nosso país em particular e de África em geral que continuam a festejar a bênção de namorados europeus que se quiseram casar fora da lei injusta vigente da antiga Roma?

Nos casamentos modernos, mesmo nos mais “africanistas”, vemos os noivos a desfilar em marcha nupcial, no compasso de uma música composta por Felix Mendelssohn no século XIX, mais precisamente em 1842, o que é que esses noivos sentem com a tal marcha? Já não falo dos trajes com aqueles grinaldas a lembrarem a Virgem Maria que teve um filho mas Imaculada.

A resposta comum de que vivemos num mundo global aqui não pega, pois os chineses, japoneses ou indianos estão muito mais envolvidos do que nós no mundo global, têm mais dinheiro do que nós e por conseguinte são mais consumistas do que nós, mas ligam muito pouco esse tipo de influências de tradições estranhas às suas culturas.

Como eu não tenho respostas nem para isto e muito menos para mais outras coisas que me escusei de enumerar, depois desta provocação cada um já pode continuar a fazer mais questionamentos. A verdade porém, é que nem me interessam muito as respostas, mas sim uma reflexão nacional em busca de alternativas baseadas na nossa rica cultura e nas tradições refinadas que vale a pena os nossos investigadores trazerem-nos para o nosso conhecimento e requalificá-los para o nosso tempo.

Confesso, por exemplo, que já me dou por muito feliz passados que foram aqueles tempos em que evocar os espíritos dos nossos ancestrais era sinónimo de práticas obscurantistas, quer pelo regime colonial com políticas baseadas na aliança com a Santa Sé, quer ainda nos primeiros anos da nossa independência, com políticas buscadas no materialismo dialéctico. Hoje pahlar está a tornar-se numa prática “quase” que “oficial e pública” embora ainda contendo um senão de representação teatral. A evocação dos ancestrais ainda que com champanhe e vinho, já é um sinal de reconhecimento e tomada de consciência de que devemos evocar os espíritos dos nossos ancestrais em todos os momentos cruciais da nossa vida e sobretudo na tomada das grandes decisões. Isto não é nada doutro mundo. Os crentes das religiões cristãs fazem o mesmo.

Alegra-me ver que até os estrangeiros dotados de conhecimentos que os levam a irem a Lua e voltarem à Terra com segurança, e que acreditam que Deus está no Céu, e esse Céu está em cima, agora vergam a sua espinha perante a mais forte tradição africana que acredita que os espíritos dos seus ancestrais estão em baixo, por isso, antes de se construir a ponte, antes de se construir a estrada, antes de se construir a linha ferra, antes de se começar com esses grandes empreendimentos, tem que se pedir ou rogar aos espíritos do local onde se pretende realizar o empreendimento.

É isto que me faz pensar que é preciso consolidar essas práticas, rebuscando os costumes antigos e refiná-los para implementar nas práticas do nosso dia-a-dia e sem criar choques ou conflitos que possam produzir resistência.
Foi assim que, uma semana depois da Conferência Nacional sobre Cultura, e ainda sob a emoção dos grandes debates, decidi lançar um desafio à CNCD para produzir uma Marcha Nupcial Moçambicana.

A ocasião foi-nos proporcionada pelo Dr. Teodoro Waty, presidente do Fundo de Desenvolvimento da Acção Cultural FUNDAC, por ocasião do casamento da sua filha Drª Tânia Waty, ele colocou-nos o desafio de encontrar para aquele casamento uma alternativa à tradicional marcha nupcial.

PRODUZINDO A MARCHA NUPCIAL
Para a proposta da nossa “Marcha Nupcial” baseamo-nos no Muthimba, dança da região sul de Moçambique, que resultou da misciginação nguny durante a sua expansão pelo território moçambicano no século XVIII. Muthimba acompanhava a noiva para a casa do noivo. O conhecimento do significado simbólico desta dança foi suficiente para a escolha da mesma para a incursão criativa que fizemos.

Da rejeição simples daquilo que não nos diz nada, passamos à acção de resgate da nossa cultura. Começamos por compor a letra e proceder a arranjos musicais com timbila, percussão de tambores, xipalapala e vozes, o que resultou em cheio para o gáudio de centenas de moçambicanos que testemunhavam este acontecimento histórico. Na verdade, não nascia uma nova “Marca Nupcial, mas a recreação da nossa Marcha Nupcial”.

A melodia tem uma base simples que permite uma assimilação rápida por quem canta e para quem ouve. Pode até ser acompanhada por quaisquer instrumentos melódicos desde timbila, piano, órgão, teclado, com ou sem percussão. Pode incluir um solo vocal com alguma sofisticação dentro da estrutura do coro, ou até pode ser um simples coro de vozes, como geralmente acontece em cerimónia desta natureza. A lírica é adaptável para várias línguas e permite a inclusão dos nomes dos noivos.

Este facto faz com que a nossa “Marcha Nupcial” possa estar sempre presente e ao alcance de todos os nubentes. Orquestras profissionais ou amadoras, corais profissionais, amadores ou populares, todos têm aqui uma proposta em que os moçambicanos são convidados a dar mostra do orgulho daquilo que é seu, apoiando esta iniciativa que a CNCD pretende aprofundar e fazer uma ampla divulgação, usando meios modernos de disseminação.

Na primeira oportunidade, vamos gravar três versões: instrumental, vocal, e junção de vocal com instrumentos. Depois trabalhar com uma orquestra convencional, e com um grupo coral profissional, para se ter um produto final de qualidade para ser usado em todas as conservatórias, igrejas e mesmo pelos DJ habitualmente contratados para estas cerimónias.

Assim, a partir de agora, os moçambicanos têm a sua “Marcha Nupcial”, com o registo da CNCD que mais uma vez vem provar o seu papel de pioneiro e vanguardista na pesquisa, criação e divulgação de valores autênticos da moçambicanidade, resgatando a cultura e as tradições, conferindo ao Homem moçambicano a auto-estima e orgulho de ser moçambicano. Assim está feita a nossa parte, está lançada a semente que irá gerar a verdadeira MARCHA NUPCIAL MOÇAMBICANA, agora só resta o seu apoio para esta iniciativa que traz novos horizontes no mosaico cultural moçambicano.
David Abílio

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