sexta-feira, 7 de março de 2008

“Metropolitanos Mataram o Carnaval-Marrabenta”

"Metropolitanos mataram o carnaval-marrabenta".
Desabafa Calane da Silva, numa altura em que as festas do carnaval encerraram, “O País” ausculta o valor desta festa em Moçambique. Se no passado a marrabenta acompanhava as festividades, no presente está marginalizada, substituída pelo samba, do Brasil. Chamado a reflectir sobre o assunto, o escritor moçambicano Calane da Silva diz que o evento deve ressuscitar no país para ser vivido conforme os anos passados. E mais: sublinha que “os metropolitanos mataram o carnaval-marrabenta da época colonial” e acredita poder ressuscitá-lo em 2009 e desenvolvê-lo, tal como o samba está.

Na discussão sobre o Carnaval moçambicano está presente a questão do cumprimento da data que dá início à festa. Enquanto no país se observam datas aleatórias para o começo da festa, chegando mesmo a estender-se até ao mês de Março, no Brasil, por exemplo, acontece religiosamente na data em que deve começar. No país, o tempo desfez o costume, segundo decanos.

A festa carnavalesca surge a partir da implantação, no século XI, da Semana Santa pela igreja católica, antecedida por quarenta dias de jejum, a Quaresma. Esse longo período de privações acabaria por incentivar a reunião de diversas festividades nos dias que antecediam a “Quarta-feira de cinzas”, o primeiro dia da Quaresma. No período do Renascimento, as festas que aconteciam nos dias de “carnaval” incorporaram os bailes de máscaras, com suas ricas fantasias e os carros alegóricos.
Assim, o carnaval é um período de festas regidas pelo ano lunar do cristianismo da idade media, onde a época carnavalesca era marcada pelo "adeus à carne" ou "carne vale", dando origem ao termo "carnaval".

Carnaval em Moçambique
O carnaval como festividade profana religiosa começa a realizar-se, aqui em Moçambique, sobretudo na capital, Maputo (ex-Lourenço Marques), nos princípios do século XX. Calane da Silva explica que “não é por acaso que na língua xironga ouve-se falar de mutumbela; essa palavra os nossos avós já conheciam desde 1908. E nessa altura começou a realizar-se o mutumbela, ou seja o carnaval, na avenida de Angola, com muito sucesso.”
Em tempos passados, o dia do início das festividades do carnaval (numa terça-feira) era considerado um dia sagrado, sendo mesmo feriado em Moçambique, facto que hoje não acontece, segundo refere o escritor que temos vindo a citar.

“Nos éramos miúdos - estou a falar de 1948 - íamos todos percorrendo mascarados a avenida de Angola de uma ponta à outra com batucadas... lá no fundo havia uma praça de touros de madeira e zinco, depois mais tarde apareceu a praça de touros de cimento, como é até hoje na zona perto do supermercado Shoprite. Na era colonial, a avenida de Angola era o centro de concentração do carnaval e em todos os recintos desportivos e clubes sociais realizavam-se bailes de carnaval, sendo que os bairros da Malhangalene e Maxaquene eram considerados os famosos. Portanto, era tradição aqui na região Sul a realização do carnaval”, recordou Calane da Silva.
Carnaval politizado

No início dos anos 60, antes do advento da luta armada de libertação, começou a desenvolver-se um carnaval com corso, transportando-se para a avenida da República, actual 25 de Setembro. Mas, em 1963, as coisas mudaram de figura, dando lugar ao envolvimento político, uma vez que o carnaval juntava todo tipo de etnias e raças do país: indianos negros e brancos, em confraternização.

Calane da Silva conta que “para a PID (polícia secreta do tempo colonial) isso era perigoso, porque o colonialismo, a dividir, reinava melhor, e juntos era perigoso. O carvanal era uma maneira indirecta de pôr politicamente toda a população junta. Isso quer dizer que eles não queriam que nos transformássemos num país independente, porque já havia “zunzuns” do início da luta armada, que de facto se efectivou em 1964”.
Sabe-se, também, que a partir daquele período foram proibidas as realizações do festival. De qualquer modo, as pessoas, embora impedidas de fazer a festa nas ruas, na avenida de Angola continuavam a fazer às escondidas, numa área aberta, e sobretudo nos clubes.

Marrabenta, “tempero” do carnaval
Outrora, a marrabenta é que animava as festas do carnaval no país e isso acontecia ao nível de todo o pais, mesmo sendo um ritmo oriundo do Sul, porque a expansão para as capitais de todas províncias ocorreu nos anos sessenta.

Para Calane da Silva, a marrabenta deixou de ser um ritmo dos rongas ou do Sul e passou a ser um ritmo moçambicano. E Moçambique começou a ser conhecido como a terra da marrabenta. “ Não é por acaso que vários conjuntos musicais interpretaram marrabenta e divulgaram-na para o mundo inteiro; as marrabentas do próprio Fanny Pfumo e de mais cantores estão aí espalhadas pelo mundo fora”, acrescentou.

Para mostrar que o carnaval era vivido com muita intensidade naquela altura, o nosso interlocutor conta que nos anos 60 esteve em Nampula, tendo constatado que nos bairros daquele ponto as orquestras tocavam a marrabenta e as pessoas de dançavam. Portanto, a marrabenta correspondia àquilo que acontecia no Brasil com o samba.
Recorde-se que o samba começou na Baía, depois estendeu-se para o Rio de Janeiro e hoje é um símbolo do Brasil. No entanto, naquele país existem outros vários ritmos, tal como em Moçambique.

“Liquidaram a marrabenta junto com o carnaval...”
De acordo com a nossa fonte, quando veio a Independência, com os extremismos políticos fundamentalistas, proibiu-se a marrabenta durante oito anos, até na Rádio Moçambique. “Pessoas que não entendem nada de história e pouco menos de cultura moçambicana diziam que era uma música burguesa (...) então, houve um atrofiamento e as pessoas já tinham medo de tocar a marrabenta, e, por outro lado, também os fundamentalistas fizeram com que nunca mais se realizasse o carnaval. Juntamente com a liquidação da marrabenta, liquidaram o carnaval nos clubes. Só depois dos anos 80, lá para os 90, é que começou a aparecer o carnaval nos clubes, mas com medo”, contou.

Ressuscitar o carnaval em Maputo
Nos últimos anos, o carnaval, em particular na cidade de Maputo, assumiu outros contornos: excluiu-se a marrabenta e faz-se em lugares fechados, a exemplo do Pavilhão de Maxaquene e a discoteca Buzio (Actual Coconuts) que acolheram alguma das festas na capital.

Já no município da Matola, a festa aconteceu a céu aberto e contou com a participação de cerca de 100 mil pessoas, contra aproximadamente 90 mil do ano findo. Entretanto, é um facto que a marrabenta não foi o forte das festas. Por isso, na tentativa de recuperar a imagem que se perde em volta do carnaval moçambicano, Calane da Silva diz que está envolvido num plano para fazer ressuscitar o carnaval em Maputo. “E isso é muito simples, é só escolher se voltamos à avenida da Angola ou voltamos à 25 de Setembro. De resto é só dizer “Carnaval Marrabenta 2009”. Cada bairro deve apresentar uma marrabenta em língua local ou em português, arranjam 100 pessoas para desfilar com as suas batucadas e vamos fazer o festival. E podemos fazer concursos para conhecer o melhor bairro, como se vê em Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde”, explicou.
Internacionalizar a marrabenta

“Vamos internacionalizar a marrabenta como o símbolo do canto e dança em Moçambique, porque é um ritmo que não perde actualidade, que se dança muito bem - e há bons dançarinos de marrabenta; é um ritmo aliciante, fácil de dançar e aprender. É preciso ressuscitar o carnaval! Uma sociedade tão massacrada como a nossa precisa de um pouco de divertimento a nível de massas. No lugar de nos atirarmos pedras, vamos construir coisas bonitas nos nossos bairros para protagonizar um excelente espectáculo”, aconselhou Calane da Silva.

Edson Muianga 07/03/2008 in O Pais.

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