No concerto de estreia da quarta edição do Festival da Marrabenta, a música foi servida a uma temperatura artisticamente quente. Músicos de alto quilate reuniram-se ontem (28) no mesmo palco para fazer uma declaração extravagante de amor à marrabenta e à Mulher. E o resultado foi: a rendição do público.
Um evento grandioso, como é o caso do Festival da Marrabenta, não poderia ter uma estreia que não fosse grandiosa. E foi com uma autêntica chuvarada de estrelas da música nacional, com performance à moda skavalu, que, no Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM), se assistiu a abertura daquele que é considerado o maior espectáculo de sempre da música moçambicana do país.
Dentro de uma lista de 10 actuações em uma só noite, o desafio foi ter de escolher a apresentação que valeu a pena ver – diga-se também, não ver. Pois, os artistas esmeram-se, num choque de egos, a dar o melhor de si com intuito de cativar uma audiência sedenta de marrabenta. A qualidade da luz e do som não era das melhores, aliás, o ruído da bateria e das guitarras ofuscavam a voz dos músicos quebrando as melodias, além de em certo momento dar à impressão dos artistas estarem a improvisar e murmurar. Mas nem por isso a plateia deixou de vibrar e aplaudir a cada instante.
Apraz-nos registar que o público soube comportar-se, pelo menos até uma hora antes do término do espectáculo. Foi um concerto honesto e ideal para quem gosta de um festival com tudo no lugar. “Este ano o Festival da Marrabenta está melhor que o das edições passadas”, diz Joana Mucavele, quando a questionamos sobre o que estava achar do espectáculo, antes de soltar um grito de euforia. “Eu acho que não”, comenta um dos seus acompanhantes. “Com esse ruído da aparelhagem não dá para sentir a música. O som está a falhar”. Mas outro elemento foi mais comedido: “Ainda há muito espectáculo pela frente. De momento, está tudo positivo”. Este grupo de jovens faz parte de mais de duas centenas de pessoas que tomaram o espaço do CCFM.
O festival deixou muita gente à porta da sala de espectáculo. Muitos foram aqueles que não conseguiram lugar para sentar, havia pessoas de pé ao longo do corredor e outras encostadas ao longo das paredes.
Actuações memoráveis
A festa iniciou-se com a apresentação da Banda Militar que, qual exército infiltrado, criou uma atmosfera de brilho e vitalidade, interpretando alguns sucessos da música moçambicana – tocados como nunca ouvimos. O som de trompeta e trombone enchiam a sala e animavam o público que se mostrava, à primeira vista, recatado.
Mas a grande abertura do evento coube ao auto-intitulado “Rei da Marrabenta”, Dilon Djindji, e, diga-se, fê-lo com surpresa e competência. O músico subiu ao palco e assumiu as suas responsabilidades de “majestade da música moçambicana”. Com pouco mais de 80 anos de idade – boa parte deles dedicados à marrabenta -, o conceituado músico gabou-se de estar em forma, apesar da idade. “Hoje, vou surpreender-vos”, desafiava a plateia frequentemente. Musicalmente pode dizer-se que Dilon não apresentou nada de novo, ouvimos as mesmas músicas de sempre, mas com uma mistura dos sons da timbila. “A partir de hoje até o fim deste ano, vão ver-me actuar acompanhado pela timbila”, revela.
O músico mostrou os seus meticulosos e invulgares passos de marrabenta. Improvisou alguns passos de dança. Tropeçou algumas vezes. E público aplaudiu efusivamente. O seu repertório era constituído por três temas, mas o que colocou os espectadores em êxtase foi o sucesso “Va thekla Podina”. Seguiu-se um dos bons guitarristas moçambicanos, Xindiminguana, que não tem receio de exprimir o espírito da marrabenta que continua nele, volvidos mais de dez anos de carreira. O músico revelou mais uma vez o seu virtuosismo na guitarra, facto que lhe valeu um presente (uma nota de mil meticais) do antigo estadista moçambicano Joaquim Chissano que se encontrava na plateia a apreciar o festival.
Xindiminguana apresentou-se, como sempre, com a sua voz tímida e uma presença no palco recatada e monótono, mas galvanizou as atenções do público. Quando a jovem cantora Iveth subiu ao palco, a plateia reverenciou-a colocando-se de pé e aplaudindo a sua presença. Com o seu timbre de voz forte – acompanhada da cantora emergente Jutty –, Iveth aqueceu a noite com a sua entusiasmante música “Afro”. Depois seguiu-se o músico Victor Bernardo. O artista animou a plateia dando alguns passos forçados da marrabenta. No meio da sua música que tem no centro da história a mulher, o jovem polémico Azagaia entrou no palco, num dueto que se mostrou incongruente pois ritmo da marrabenta era demasiado lento para “reppar”.
Azagaia e Victor Bernardo declamaram um poema sobre o papel da mulher e depois o rapper controverso fez um “Freestyle” e incito-o público a juntar-se a ele em sua nova música. Momentos depois, abandonou o palco deixando os espectadores com água na boca. “Será que ele volta?”, pergunta, sem disfarçar alguma ansiedade, um espectador. “Acho que sim”, responde outro. Mas, para infelicidade do público, o músico não voltou dando azo à especulação de que ele desistira de actuar porque estava naquela sala o ex-presidente da República.
Mais uma dose de show
A segunda parte do espectáculo não poderia começar da melhor maneira. Quando a apresentadora do concerto Rosa Langa anunciou a entrada de Hortêncio Langa, o publico pôs-se a cantar um dos temas que colocaram o músico na ribalta. O músico apresentou duas músicas e retirou-se do palco. O público inconformado gritava insistentemente para que voltasse, acabando por regressar. “Esta música não estava no repertório”, justificava o músico para uma horda de espectadores que não queria saber dessa história. Hortêncio Langa pegou na guitarra e pôs-se a cantar “djim djim ó, djim ó”, a música que o público queria.
Hortêncio nunca esteve tão perto do seu público e foi o músico mais aplaudido da noite. Seguiu-se Costa Neto. Com a sua guitarra, fez uma viagem ao “reino marrabenta” e trouxe de lá o que há de mais profundo – Elisa Gomara Saia - tendo-lhe valido ovações. Não fosse também a actuação memorável da cantora Neyma, a segunda parte o concerto deixaria muito a desejar. A cantora mostrou grande qualidade nos passos de marrabenta e colocou o Centro Cultural do Franco-Moçambicano é constante ebulição. As suas músicas, com uma longevidade de pouco mais de 10 anos, revelaram-se tão actuais. Neyma terminou a sua actuação deixando o público de olhos a brilhar e queixo caído.
Depois entrou Roberto Isaías. O autor de “Lalani” mostrou-se mais à-vontade no palco e tomou conta do ambiente já criado pelo colega que lhe antecedeu. Embora com uma discografia a solo curta, Roberto Isaías hipnotizou o público. Já o conceituado Grupo RM, do qual Wazimbo é vocalista, não consegui manter o nível de agitação e emoção criado por outros músicos. O agrupamento realizou a menos interessante actuação da noite de que temos registo. Quando o grupo cantava a segunda música, o público foi abandonando a sala.
O calor que pairava naquele recinto começou a ser engolido pela brisa e as pessoas que lá permaneciam se mostravam recatadas. O repertório composto por seis temas foi monótono. A banda não esteve muito entusiasmada. “Ainda não começaram a tocar. Estão apenas a ensaiar”, comenta ironicamente um jovem encostado na parede. Depois de tocar quatro temas, a banda decidiu resgatar o êxito que marcou toda uma geração. Referimo-nos ao tema que aborda a história de um sapateiro. O público pôs-se de pé entusiasmado e mostrou conhecer a letra cantando, do princípio ao fim, a música.
Quando foi feita a apresentação da última música para o encerramento do concerto de abertura do Festival da Marrabenta, as pessoas começaram a abandonar a sala. O Grupo RM exibiu a última música do repertório. Terminava assim de forma fria a abertura de um festival que pretende animar as cidades de Maputo e Matola, e os distritos de Marracuene, Chibuto e Chokwe nos próximos dias.
Escrito por Hélder Xavier Segunda, 31 Janeiro 2011 14:57
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