Timbilu to banana loku ndzi dzimuka wene mamana
Lava hinkwavo valanguiwike hi mbilu yanga
Akwaku ava lunganga mamana
Oh hiyo io io io io
Niza ni tsama lani ni siku lani niya tsama le
Nani navela ku zhulissa moya wanga mamana
Oh hiyo io io io io
Oh mamana
Kassi udjula niku yini mamana
Swaku nienctha hikuni sossotela swanga nova ngwana
Swaku nienctha hikuni possita, swanga nova papela
Swaku yientcha hikuni chavissa swanga nova mpahla mamana
Nili vona hi wene’/nili vona hi wene/nili vona hi wene mamana
Uma voz fresca, intima, de um existir autêntico, explicita, permanente, sólida, que sabe tirar partido de suas falas.
Bom, dirá o amigo leitor que é muita poesia para classificar uma única voz e concordo.
Hesitei muito para escrever sobre Mingas, pois não reconheço em mim propriedade para falar de uma poetisa de rigor como ela.
Atravessam-me agora arrepios: mas porquê comecei? Agora já não tem volta: devo levar esta tarefa até ao fim.
Numa sociedade como a nossa, exageradamente simplista nas análises e nas categorizações em que qualquer cantora é considerada e/ou se considera diva, me questiono o que será a Mingas? A tensão que a resposta carrega impede-me de dizer metade do que ela seja porque, tal como nas primeiras palavras em que a tentei descrever, dirão: poesia.
Hoje, mais do que a tentativa de dizer quem é a Mingas, escolhi uma canção de nomeação cuja carícia de voz me empolga; trata-se de “Mamana”. Na verdade, esta canção foi escrita pelo não menos fenomenal Zeca Tcheco, o genial baterista da música moçambicana. Mingas fez a música, a partir dessa letra.
“Mamana” simboliza o eterno conflito das mães quererem mandar nos amores das suas filhas e filhos. Em “Mamana”, a voz e a melodia de Mingas questionam: o que queres que eu faça,minha mãe? (Khasi u djula niku yini, mamana?).
Este questionamento põe a descoberto um pássaro que se quer libertar mas, ao mesmo, sente que não está pronto para o voo. É a voz de uma filha que quer contestar, mas sabe que deve ouvir a voz da razão: a voz materna.
Este questionamento é a queda de uma gota de quem reclama o seu próprio espaço, o livre arbítrio, um visível existir que a mãe a nega, tudo porque sua filha e, logo, com dever de ouvir sua voz.
“O que queres que eu faça, mãe; porque, mesmo que encontre quem me agrada, meu coração bate quando me lembro de ti (“hambi no vona…”).
Um dos traços mais evidentes da sociedade e época em que cresceu Mingas (falo da sua juventude), tem a ver com a valorização extrema da figura materna que encarna(va) toda a sabedoria, experiência, uma imagem dominante do social, onde as filhas tinham pouco ou nada a dizer na escolha das suas relações afectivas, na verdade, a mulher aqui não podia tomar posse do seu prazer, tão-somente reclamar o “usufruto do seu corpo” e o seu orgasmo. A tradição confinava-a a mera servidora.
Mas esta mulher que Mingas retrata já tenta, embora não contrariando, questionar esta sociedade quando diz a mãe que “chegas ao ponto de me atiçar como se fosse cão, me envias como de papel me tratasse, e me vendes, como se de roupa me tratasse!”
Ora, não há dúvidas que esta música é a negação da perspectiva redutora da mulher, da tendência super protectora das mães, dos postulados de extremos em nome do bem-estar dos filhos quando, muitas vezes, o bem-estar pode evocar abismo.
O que queres que eu faça, mãe, se meu coração me diz o contrário?
Bom, Mingas não a lança explicitamente esta pergunta, mas o seu canto tange a isso, porque os seus olhos, seu coração, seu desejo irreprimível de mulher, a indica uma direcção, quando a mãe, quer que ela vá noutra.
Feliz ou infelizmente, grosso de mulheres da geração da Mingas, aceita todos os opróbrios ao lado de um homem que as espezinha por completo, isto porque as mães, mesmo que violentadas as convencem de que aqueles são seus homens, quando na verdade são os homens que as mães escolheram para elas.
Este sentimento, está patente na música quando a Mingas, segura de si, diz à mãe “Nili vona hi wene/nili vona hi wene/nili vona hi wene mamana…”, no sentido de que olhe o exemplo que és mãe, achas-te mulher feliz? Agiu certo a sua mãe em escolher o marido para si? A sua vida de prantos demonstra o contrário, agora; como podes querer o mesmo para mim?
Mamane é um hino contra a repressividade e autoritarismo desse tempo em que as mães ordenavam e as filhas, cegamente, obedeciam numa situação que em nada que se parece com o modernismo que se vive hoje, onde o sonho, a ideia do sexo descomprometido, a ferrada romântica, a ideia de liberdade, não deixam que os pais opinem, tanto mais mandarem no amor dos filhos.
Bom fica aqui em “Mamana” a ideia de oscilação entre dois períodos; um de autoritarismo, mas que mantinha coeso a família, outro de liberdade que hoje se vive mas que a fragiliza.
Mas talvez o mais importante nesta música seja para além do desabafo da filha para com a sua mãe, a forma sofrida com que a dona a trata. De um timbre que impõe luta, Mingas vai fazendo desta, dor das demais mulheres, vai celebrando também sua dor com o canto, e traída pelo sopro majestoso do Matchote não se contém e chora, mesmo que no silêncio, mesmo quando tem certeza que as lágrimas vão rolar peito dentro, mesmo que num beco sem saida; “yio, hio, yó yó yó, yo yo mamane/kasse u djula niku yini mamana” (o que queres que eu faça, mãe?).
Mingas é sim uma diva, uma verdadeira diva, de têmpera rija, de encanto no canto, meu rouxinol em noites sofridas, meu alento quando fustigado o tímpano por pseudo-divas.
- AMOSSE MACAMO