É verdade que há muito que vovo Amélia não gozava de uma saúde física para percorrer os sinuosos caminhos da música, sobretudo aqui em Moçambique, mas seu sonho foi sempre de registar o pouco da graça que Deus lhe deu.
Tinha energia para sonhar e acreditar que pese os problemas de saúde associados à sua avançada idade, muito ainda tinha por oferecer à música moçambicana.
Possuía um coração muito forte, uma imensa fé, daí a sua predisposição para entrar no estúdio e gravar mais um disco.
Descoberta para o grande público por Eldorado Dabula, no programa “Keti-Keti” da Rádio Clube (actual Rádio Moçambique) lá para década de 60.
Mas antes de aparecer naquele programa Amélia Moaina, contou numa das conversas, que começou a cantar ainda em tenra idade, por influência do pai que foi maestro da Igreja Missão Suíça, actual Igreja Presbiteriana de Moçambique e da mãe. “Minha mãe também tinha uma voz linda, mais linda que a minha”, dizia sempre Amélia Moiana.
Eldorado Dabula catapultou Amélia Moiana para o grupo Djambo. Foram momentos de glória infelizmente desconhecidos por muitos, dadas as contingências da época.
Quando a notícia da sua morte me chegou aos ouvidos, confesso que fiquei meio desnorteado a final era uma pessoa que gostava tanto. Não chorei por que logo de seguida veio à memória os grandes momentos de convívio que tivemos quando preparávamos o único grande espectáculo de palco que realizou nas últimas décadas.
Veio aquela majestosa actuação em Abril de 2003, no Centro Cultural Franco-Moçambicano. Acompanhada por jovens que integravam a Banda Azul (grupo que carinhosamente ela tratava por Bafana Bafana) nomeadamente Raimundo (piano), Sacres (baixo), Stélio (bateria), Jimmy (guitarra) e ainda as vozes de Cadinho, Ruth e Saugina.
Só quem esteve no Franco-Moçambicano pode comentar e afirmar com viva voz que Moçambique perdeu uma grande voz escondida ao longo do tempo porque o sistema assim o quis.
Não chorei por que começou a coar nos meus ouvidos as canções “Moya Wanga”, “Lwandle”, “A Mintirho”, “Amiga”, “Lirandzo”, “A Va Khale”, e a inigualável “Swilo swa missava”.
Moçambique perdeu uma grande voz porque os caminhos para a produção de arte e cultura no geral, e da música em particular, são sinuosos, mas melhor dizendo, são mesquinhos.
Ninguém pode explicar por que nunca se abriram as portas para Amélia Moiana gravar as suas canções que não eram poucas. Não se abriram porque o nome, não o trabalho dela, pouco dizia às pessoas que estão a frente desses processos. Pura e simplesmente por isso, porque pelo trabalho são poucos os músicos moçambicanos com sua estirpe.
No último espectáculo de palco que ofereceu há seis, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, Amélia Moiana demonstrou que mesmo aos 72 anos (na altura) era de uma “senhora” voz, cultivada e escondida atrás do gospel. Cantava a marrabenta, jazz, blues, tudo que o espírito impunha com uma mestria somente sua.
“Swilo swa missava swa khaluta” não mentiu Amélia Moiana, estamos de passagem e neste momento de dor e consternação, pouco nos resta senão tirar chapéu e curvar perante a sua voz que vai continuar a coar nos nossos ouvidos.
- João Fumo
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