segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Chico António - “o mais velho sempre sabe”

Chico Antonio no Gil Vicente

Chico António é uma figura que dispensa qualquer tipo de apresentação quando se fala de música moçambicana. Iniciou a sua carreira nos meados da decada 60 e destacou-se nos anos 80. Em 1990 ganhou o prémio Rádio França Internacional (RFI) com o qual teve direito a dar continuidade com estudos ligados a música. Com passagem por vários países de África, América e Europa, o entrevistado desta semana vai nos falar da sua trajectória artística, assim como das suas realizações como profissional de música desde que se iniciou até aos dias que correm.

Quando é que entra no mundo da música?

Entrei no mundo da música quando sai de Magude para Lourenço Marques em 1962. Durante dois anos vivi como menino de rua e em 1964, uma familia de portugueses acolheu-me e pôs-me a estudar na Missão José onde comecei realmente a ser músico. Integrei num grupo de 60 pessoas que cantava na igreja e eu era o solista. Mais tarde, integrei numa banda de 70 pessoas. Foi nesta banda que aprendo a tocar trompete, solfejo, canto, leitura de música ao mesmo tempo que fazia os meus estudos primários.

Como conciliava os estudos com a música?

Bom, é importante dizer que entrei para a Missão com 8 anos e fiquei lá durante 12 anos. Durante periodo em que estive na Missão, tinha duas actividades básicas, os estudos e a música, e é isso que resumia o meu dia a dia, pois era um processo contínuo e combinado.

Depois de terminar os estudos na missão, o que se seguiu?

Em 1978, havia um grupo de jovens que tocava em casamentos, festas e bailes. Este grupo tinha uma coisa muito curiosa, porque para além de tocar nos locais a que me referí, tocava também na igreja. Os padres emprestavam-lhes aparelhagem e em troca tinham que tocar nos cultos, era uma espécie de troca de serviços. Então, depois de concluir o nono ano de química, entrei para o grupo ABC78.

Como foi a sua integração no grupo ABC78?

Foi muito feliz, porque acabava de sair de um colégio de padres e integrei-me neste grupo que tinha um certo “relacionamento” com a igreja. O ABC78 também alugava aparelhagem da igreja, no entanto, não estava muito distante do ambiente onde crescí.

Dentro do ABC78, quais foram as suas realizações?

Um ano depois de integrar o grupo, passamos a tocar no SANZALA. Nesse período, como era uma das poucas pessoas que tocava trompete aqui em Maputo, recebia convites de muitos músicos. Posso citar exemplos dos grupos como os de Fani Mfumo, Xidiminguane e Wazimbo.

Qual era a razão de “escassez” de trompetistas?

Trompete, saxofone, clarinete e outros instrumentos de sopro, eram aprendidos em bandas e a banda que existia era a Militar Portuguesa e o resto eram os jovens que saiam dos colégios dos padres. Havia muitas pessoas que sabiam tocar, mas o facto é que a maioria tinha outras profissões e escolheram outras maneiras de viver, deixando desta forma a carreira musical para trás. Estes elementos é que levaram a carrência de executores destes instrumentos.

Nos anos 80 começa a tocar em palcos de luxo, como é o caso do Hotel Polana, como foi essa experiência?

Foi muito boa, tocava no grupo Faz Força, que pertencia a um baterista que infelizmente perdeu a vida recentemente, esta banda levou-me a uma zona de elite. Porque tocar no Hotel Polana era diferente de tocar numa boate. O nível de exigência era outro. Aprendi a dominar a minha voz e o meu próprio instrumento. Foi depois deste grupo que passei para o grupo 1 Experimental e ali estava o André Cabaço, Sérgio Gonçalves, Paulinho Chembene, Totozinho, que já faleceu, e faziamos frente ao grupo RM em termos de comparação dos maiores grupos da época. Com este grupo comecei a viajar para representar Moçambique em vários eventos internacionais.

E como entra para o Grupo RM?

Entrei no Grupo RM a convite de Américo Xavier e parmeneci no mesmo durante 10 anos. Neste grupo aprendi muito porque encontrei músicos bastante experientes, falo de Alexandre Langa, Wazimbo, Pedro Ben, José Mucavel, José Guimarães e Sox. No meio deste grupo, fiz parte do projecto marrabenta dirigido por Aurélio Lebon, para além de integrar o projecto Orquestra Marabenta, que também foi uma outra experiência marcante, uma vez que envolvia vários músicos como é o caso de Stewart, Lidia Mate, Mingas, Dulce, dentre outros.

O que te marcou no grupo RM?

Como é do conhecimento geral, o grupo RM foi criado para representar Moçambique, tinha apoio e fundos provenientes do governo. A gravação do disco com a Orquestra Marrabenta foi uma experiência interessante. Este disco foi um dos poucos que a Europa conhece tirando alguns casos de músicos que actuavam a solo. O facto de integrar um projecto que representava o país é que teve grande peso em mim.

Do grupo RM o que seguiu?

Bom, quando vários membros fundadores deste grupo desvincularam-se, fiquei a trabalhar com músicos jovens que acabavam de entrar para o grupo. A Mingas, por exemplo, era um talento recém descoberto e a sua voz despertava muita atenção do público. Juntamente com outros poucos que tinham restado, tivemos que acordar e dar uma nova dinâmica a música. Optamos em criar coisas novas, uma vez que era muito dificil continuar com o estilo dos fundadores do grupo. Neste contexto, trabalhamos e o resultado foi o prémio Baila Maria e colocamos o grupo no topo. Com o prémio, tivemos direito a gravar um CD e eu tive a bolsa para estudar técnica de estúdio de gravação, aranjos, técnica básica de piano e ainda conseguí desenrascar um lugar para a Mingas ir estudar canto com a vocalista da banda Kassav. Depois daí, comecei a trabalhar como freelancer até hoje.

Com toda experiência adquirida no mundo da música, porque é que ainda não tem nenhum CD a solo?

Bom, é meio complicado porque a competividade está dificil e, para além disso, as condições para gravar são escassas, faltam estúdios sérios, com isso não estou a dizer que em Moçambique não ha estúdios. Mas ainda não encontrei um para o que almejo.

Na conjutura actual, acha que há espaço para os músicos da velha geração?

Eu não gosto muito dessa separação, porque não há velha nem nova geração. Essa separação é muito pejorativa e isso não edifica a classe dos músicos. Você não vai chamar teu avô de madala. É mais correcto chama-lo avô. Todos precisamos um do outro, o mais novo sobretudo, precisa de aprender dos mais velhos porque não estou a ver o mais velho a aprender dos mais novos. Para mim, isso é utopia porque o mais velho tem sempre mais por transmitir ao mais novos e eu não sei o que os mais novos podem transmitir em termos práticos se não forem apenas coisas de coração. Acho que a nova geração sempre tem que existir porque nunca vi a velha.

Em relação aos instrumentos de sopro acha que hoje há mudanças significativas em relação aos anos 70?

Penso que o cenário continua o mesmo dos anos 70, não ha músicos que executam instrumentos de sopro em Moçambique, para além da banda militar e a banda da policia. Temos pouquíssimos casos de alguns jovens que vão para Africa do Sul para aprender saxofone porque aqui não há escolas de instrumentos de orquestra de bandas. Isso cria uma lacuna muito grande porque, se formos a ver, a nossa geração aprendia desde pequenino e com 25 anos já tinha um bom domínio do instrumento.

Fonte: mozhits

2 comentários:

Duarte disse...

Apenas hoje tive opurtunidade de conhecer este site sobre Moçambique mas ...valeu a pena esperar!

Continua o bom trabalho!

Editor - CelsoAmade disse...

Camarada Duarte.
Kanimambo pela visita, aqui, dontro do possivel procuro fazer chegar a todos a NOSSA cultura. Visite-nos mais vezes e descrubra mais um poquinho da beleza de Mocambique.
Abraco,

Celso Amade