segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sambrowera Fandanga: o enigma


Conheci-o (será que alguém o conhece?) Simeão Mazuze e, como que envolvido por um despertar filosófico, ficou Salimo Muhamad. Confesso, sempre tive sérias dificuldades de falar deste músico, aliás, a mesma dificuldade que ele teve de não entender o Simeão e logo converte-lo em Salimo. Sim, porque se o Simeão estivesse em paz consigo mesmo, não haveria a necessidade de torna-lo Salimo. Só uma situação de incompreensão de si mesmo, pode levar a conversão e ainda bem se ela acontece e aconteceu em Salimo.

Há-de se aferir que este exercício não se revela nada fácil, porque requer uma introspecção, isto é: ser observado e observador ao mesmo tempo e, que se diga, Salimo teve de o fazer para se encontrar.

Só pensando assim pode me ajudar a entender o Salimo porque, doutra forma, vai continuar a confundir-me. E a confundir-me sobremaneira nas suas músicas, quando esconde a verdade em palavras cruzadas, tais códigos impenetráveis, como “Sambrowera Fandanga”, que reviramos todos num exercício de interpretação e nunca fomos felizes.

Sambrowera é para mim o pico da inspiração de Salimo Muhamad, música onde deixou suas várias faces saírem e, acima de tudo, onde libertou todo o seu “eu” trazendo-o cá para fora.
Engraçado porque, da mesma forma que se expõe, acaba levantando um véu com recursos a palavras de difícil entendimento como o grito de início na música Sambrowera, onde diz: “cevernashe, cevernashe.”

Salimo nunca disse, e nem era sua tarefa dizer, o que significava “Sambrowera Fandaga” e outras palavras de difícil acesso que diz nas suas músicas porque, mesmo querendo, não saberia dizer. São palavras criados em transe! Então, como explicar o que dissemos movidos por forças que ninguém pode compreender, como em Sambrowera?

E aqui está o forte desta música, a força que ela carrega, a mística, o ritmo carregado de convulsões que caracterizam o Salimo, o cantar como se seguisse um ritual, tal “nyamussoro” que encarna o espírito de outra pessoa e entra em delírios.
Sambrowera começa com um apelo aos gritos onde Salimo pede para que se abra janela “ibra janela, ibra janela”, um pedido que confunde pela sua autoridade.

Na verdade, para quem ouve, sente que não há ali nenhum pedido, senão, uma ordem. É como se estivesse sufocado e não aguentasse mais, dai que grita de dedo em riste e de olhos abertos como sabe fazer, “ibra janela” como quem diz: se isso não acontecer não me responsabilizo pelas consequências.

Salimo tem demónios. Sim, daqueles que quando exorcizado por batuques e ngomas teimam em manter-se no corpo de quem os exorciza, porque são fortes. Salimo é forte, é múltiplo, a sua temática é híbrida e foge e sempre fugirá ao entendimento do homem comum, como eu.
Ora, cansado de tanto tactear para descobrir as palavras veladas de Salimo, tal como ele o fez um dia, procurei um curandeiro dos bons (Salimo já teve um curandeiro que o tratou para ser invisível), para me ajudar a interpretar as parábolas por si cantadas.

E fiquei toda a noite a dizer “Siavuma, Siavuma”, mas, verdade que é boa, não a tive e terminou o curandeiro, dizendo que o Salimo, tinha um diabo que o impedia de chegar a verdade.
Que Salimo tivesse diabos já sabia, abandonei o “nyamussoro”, com vontade de nunca mais ouvir suas falácias.

Quando quase desistia, encontrei-me um dia com um destes meus amigos que desistiu da vida para se dedicar somente a reflexão e, depois de ouvir todos seus delírios, me segredou o inesperado: que conhece o significado da música “Sambrowera Fandanga”.

Confesso que senti um frio na espinha, meu cabelo levantou e fiquei atento. Em poucas palavras traduzo o pensamento do meu amigo, e que fique claro que apenas conto o que ele me contou, sem aumentar um ponto sequer.

Na sua óptica quando Salimo pergunta “Uta mulumula nwana lweyi mamanhana? wahemba” (se vais desmamar este filho? Mentira), o filho a desmamar, é o que na altura fazia guerra. Sendo impossível desmamá-lo (derrotá-lo), justamente porque seu filho, em clara referência a guerra entre os irmãos e/ou entre pai e filho.

E dizia; é mentira que te vais livrar deste filho. Pois, nem que te arrogues ser a andorinha que corta o pais de lés-a-lés, a sua velocidade (“Uli u nkondjani ya tiku mamanhane/utaya kumana ni madala wa djeke/uni matendencia mamanhana), não seria suficiente para evitares/fugires do madala wa djeque, entenda-se “rebeldes” que montam emboscadas em todos os cantos. Pelo que deixa o orgulho de lado, e senta com esta gente e encontre a solução para o povo. Daí que o “ibra janela”, para logo de seguida determinar “senta boy”.

É sim, um apelo para que os irmãos se sentem e discutam a paz, porque ninguém é veloz o suficiente como andorinha (nkondjani), para fugir das balas da guerra (madala wa djeke) e se não o fizeres “uni matendencia mamanhane”, tens tendências.

E não podia terminar de outra forma o Salimo quando pede a sua mãe Maria, para não chorar porque seu filho voltou (He mamana Maria unga rile unga rile mamani, anwana wa wena afikile la muntine….), e o questionamento seria, de onde o filho retornou? Ou melhor, para voltar, teve um dia que partir. Mas para onde?

Antes do meu amigo me responder, larguei-o, porque estava a ficar confuso como nunca fiquei com esta música.
Agora, se os meus amigos leitores quiserem saber o final que o digam, porque mesmo confuso, poderei contar.

Mas, enquanto isso, vão ouvindo Sambrowera, como o oiço e com vontade de perceber o que Salimo queria e quem sabe um dia: “ibra janela” e caia a verdade?

Mas esse “baralhar do esquema”, talvez seja o objectivo de Salimo com Sambrowera, fazendo com que todos nos batamos a cabeça, sem nunca chegarmos a verdade, porque nem ele a tem. E não tem diabos, esse? A
MOSSE MACAMO

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