segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

FOURPLAY EM MOÇAMBIQUE


Galácticos do jazz coloriram verão do nosso contentamento
Há dias assim: exigimos que tudo nos corra de feição; que a perfeição seja o mínimo grau a atingir no que fazemos ou fazem os outros por nós. Um desses dias foi, certamente, a última sexta-feira, em que actuou pela primeira vez em nossa casa a banda norte-americana de jazz Fourplay.

A perfeição que se exigia na organização da aparição do ilustre quarteto deriva do óbvio facto de Bob James, Nathan East, Larry Carlton e Harvey Mason não serem... “quaisquer” artistas. São estrelas de classe universal, que enchem de expectativa seja qual for o amante da música, tanto aquele que já os tenha visto tocar num palco no estrangeiro, como quem os conheça por via de temas como “Chant”, “Bali Run”, “Still The One”, “Flying East”, “Robo Bop”, “Swamp Jazz”..., alguns dos que percorrem a dezena de discos que foram lançando desde 1991, quando surgiram como banda.

Ora, lamentações e lamúrias seriam o nosso pão de hoje se alguns aspectos mal acautelados do ponto de vista de organização não tivessem sido apagados pela celestial performance rubricada pelos Fourplay no Parque Municipal da Matola, definitivamente um local ideal para grandes espectáculos musicais, de jazz em particular. No entanto, porque não é de memória que se faz a vida, mas de sensatez, prudência e pragmatismo, há que chamar à atenção sobre alguns aspectos que tendem a enraizar-se e a tornar-se numa cultura dos moçambicanos, particularmente aqueles que nos organizam grandes espectáculos.

O concerto do quarteto dos “States” estava marcado para as 21:00 horas, mas só viria iniciar precisamente uma hora e quase 50 minutos depois. É absolutamente inadmissível pregar uma seca destas em gente ávida em ver os seus ídolos, principalmente se se considerar que a ida das pessoas ao espectáculo foi também um processo stressante (adquirir um ingresso para o “show” dos Fourplay foi fácil apenas para uma pequena porção dos vários fãs que se fizeram aos jardins do Parque Municipal da Matola, pois a informação sobre os locais de venda não circulou devidamente).
Mais, aquela noite era algo chuvosa, com pingos e aguaceiros a desesperarem quem tinha saído de casa para um parque a descoberto, mas que mesmo assim foi por se tratar de uma ocasião especialíssima essa vinda do grupo norte-americano.

Se quisermos uma boa reputação para o nosso país, os promotores de espectáculos musicais com estrelas internacionais também devem contribuir. É impressionante a diferença que existe entre nós e os outros no cumprimento de horários. Pensamos que é chegado o momento em que os eventos públicos iniciarem à hora em que são marcados. Há problemas de última hora?
Comunique-se e peça-se desculpas e compreensão às pessoas que ficam vários minutos à espera de algo que já devia ter começado. O atraso verificado na Matola faz-nos recordar uma famosa casa de espectáculos da cidade de Maputo, em que um “show” marcado para determinada hora só começa duas, três, quatro ou mais horas depois...

Esta chamada de atenção deve servir também para o público. Por ele também passa parte da responsabilidade (ainda que pequena e sem ser exemplo concreto aquele que tanto esperou o Fourplay). Se todos chegarmos “a tempo e horas” e manifestarmos (civilizadamente) a nossa indignação com os atrasos, compreenderão os promotores destes eventos que todos os esforços devem ser feitos para evitar irritar as pessoas.

VALEU A PENA” SOFRER...
Ficando para trás os problemas de organização (de que destacámos apenas o horário), o concerto de Bob James, Nathan East, Larry Carlton e Harvey Mason (respectivamente teclista, baixista, guitarrista e baterista) soube-nos muito bem. Começamo-nos a habituar a ter grandes artistas em nosso solo, faltando para que as suas actuações nos fiquem na memória um nível de produção aceitável. A vinda dos Fourplay será muito recordada entre nós muito por aquilo que a banda fez num recinto bem escolhido pelo promotor.

O simbolismo desta actuação está no facto de, como banda, estes artistas terem cá actuado pela primeira vez. Individualmente, Nathan East já cá esteve antes, em 1989, integrado na banda de Eric Clapton, que actuou no Estádio da Machava. East é um talismã do guitarrista britânico, que sempre o chama para os seus projecto.

East, um baixista que carrega em si muito talento e energia, já trabalhou com músicos de eleição a nível mundial. É o caso do seu compatriota Babyface, que chamou a dupla Clapton/East para aquele que se pode considerar o seu melhor disco: “MTV Unplugged In New York City”. No DVD desse álbum, um grande espectáculo ao vivo, pode-se ver o esplendor de Nathan East a dedilhar o baixo e a luxúria de Eric Clapton na guitarra nos temas “Change The World” e “Talk To Me”.

Voltando ao espectáculo do Fourplay, foi absolutamente estimulante estar num verde contagiante que é o relvado do Parque Municipal da Matola para ver evoluir uma banda de jazz de eleição a nível do mundo.

Mas mais estimulante, excitante até, foi ver os artistas entrarem para o palco, para satisfação de uma multidão que, mais do que ávida de momentos musicais únicos, queria deliciar-se com o engenho e talento de um quarteto que, no contexto do jazz, pertence à uma galáxia em que cabem muito poucas bandas. E “Galaxia”, do disco “Heartfelt”, que os Fourplay lançaram em 2002, foi o tema de entrada.

O delírio estalou entre no seio do público quando Nathan East e Bob James deram os primeiros toques de “Chant”, provavelmente o mais conhecido (e amado) tema da banda. Esta música faz parte do CD “Between The Sheets”, o segundo do grupo.
A melodia de “Chant”, cuja beleza se deve não apenas ao som dos instrumentos mas à afinação vocal de Nathan East (também um grande cantor), foi entoada por todos, como seria a partir daí nos temas cantáveis que o quarteto tinha alinhado para esta sua primeira aparição em solo moçambicano. “After The Dance” – apresentando numa versão em que East quis pôr o público a ouvir a sua melódica voz – ou “Between The Sheets”, que foi, provavelmente, o mais seguido pelos espectadores, são duas esplêndidas canções apetecíveis de ouvir ao vivo.

A meio da apresentação já se ouvia comentários do tipo “valeu a pena sofrer”, em alusão à seca – e àlguma molha – que os espectadores foram apanhando enquanto esperavam desesperadamente pela subida da banda ao palco.

Os temas instrumentais foram o forte deste “show” (aliás o som dos metais constitui a essência do jazz). O encanto de temas como “Bali Run”, “101 Eastbound”, “Flying East”, “Wish You Were Here” ou Free Range” invadiu as almas que se fizeram ao Parque Municipal da Matola contaminando-as de uma alegria sensível apenas quando estamos perante verdadeiros galácticos da música. Sensível na ocasião e que vão durar muito mais tempo dentro de quem conseguiu estar neste espectáculo.

Os Fourplay vieram ao nosso país numa época especial: o verão, propício para concertos e festivais musicais majestosos, como o desta banda norte-americana. Porque este, sim, foi um espectáculo para recordar, recordarmo-nos-emos do verão de 2007/2008 como um dos do nosso contentamento, contrastando com o inverno que traz descontentamentos como o que inspirou o norte-americano John Steinbeck a escrever um dos seus mais lidos livros, “O Inverno do Nosso Descontentamento”.
No inverno nós não ficamos desafortunados como o jovem Ethan Hawley de Steinbeck, mas ficamos totalmente desprovidos da magia musical de grandes artistas em espaços abertos como o Parque Municipal da Matola, que desta vez foi palco para Bob James, Nathan East, Larry Carlton e Harvey Mason juntos.
O CLÍMAX DE UMA SATISFAÇÃO
A música ia fluindo do palco montado no parque e as pessoas iam recordando-se de pedir esta, aquela ou aqueloutra composição de que se encantaram ao ouvi-las da quase dezena de discos que a banda foi gravando desde o seu surgimento em 1991. Uma das mais solicitada foi, depois dos Fourplay terem tocado “Chant”, “Between The Sheets”, “After The Dance”, “Flying East”…, aquelas que os fãs mais conhecem, “Bali Run”, com que o quarteto simulou despedida.

Pelo meio também ficaram os temas – ainda desconhecidos pela maioria do público – do mais recente disco do quarteto, “Energy”, acabado de sair em Setembro. É um álbum que promete, até porque, segundo anunciou Nathan East, tem um tema nomeado para os “Grammy” do próximo ano.

O epílogo desta apresentação dos “fab four” (uma famosa revista norte-americana de jazz tratou-os assim uma vez, recordando a alcunha do também quarteto britânico, mas não de jazz, Beatles), veio quando tocaram “Maputo”. É uma homenagem que o baixista Marcus Miller (o produtor e executor da viola-baixo na maioria dos álbuns do malogrado Luther Vandross) fez à capital moçambicana. Miller esteve entre nós nos anos 1980 e compôs esse lindo tema, que foi gravado por ele e o saxofonista David Sanborn num projecto que contou precisamente com Bob James para os teclados.

Na versão do Fourplay de “Maputo” não houve sax. Aliás este é um instrumento absolutamente ausente nos trabalhos que a banda foi efectuando ao longo destes quase 18 anos de existência.
Bastaram as notas de James e alguns acordes de Nathan East, a que se lhes juntaram a fineza de Larry Carlton e a energia de Harvey Mason. Provavelmente aquela foi uma das melhores versões que se tocou daquele famoso tema cujo disco, “Double Vision” valeu à dupla James/Sanborn uma nomeação para os Grammy.

“Maputo” foi o pico de uma satisfação que estalara logo que os Fourplay subiram àquele palanque. O fim da sua apresentação, que coincidiu com a queda de cada vez mais e grossos pingos de chuva acendeu uma satisfação que estava patente nos rostos das várias pessoas que tinham presenciado o espectáculo. A alegria era indisfarçável, como era possível ver pelos sorrisos que rasgavam os rostos à toda a sua largura, pelos comentários que iam fluindo em tons de voz que revelaram precisamente essa satisfação. Foram-se os Fourplay, ficaram aqueles momentos que os amantes do jazz gostariam de repetir, se possível em sua terra.
Gil Filipe

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