segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Entrevista com Eduardo Paim

Eduardo Paim

Eduardo Paim está de volta para deixar os seus fãs (espalhados por todos os países lusófonos do mundo e não só) de queixo caído e de olhos achinesados. E Paim não poderia reaparecer da melhor forma, a de convidar os seus fãs, depois de um jejum de quase dez anos, a matarem a sede com “Maruvo na Taça”, que é, na verdade, um disco que está a dar cartas nos quatro cantos do globo. Entrevista a não perder e, mais uma vez, o contributo do Notícias Lusófonas no apoio à cultura Lusófona na sua mais pura expressão.


Todo o cuidado é pouco (pois quem avisa amigo é, diz o ditado!) ao provar, perdão, ouvir o “Maruvo na Taça”, porque as músicas que ele contém podem levar qualquer um a “embriaguez” total e seguidamente a um pé de dança que só regateia quem não estiver bom da cabeça, esteja doente do pé ou, na pior das hipóteses, não conheça o General Cambuengo, o baixinho do Cassenda que tem o piano como arma principal e a música como sua primacial divisa .

Notícias Lusófonas – Eduardo Paim você nunca tira o boné. É calvo ou não tem cabelo?
Eduardo Paim – O meu boné, nos dias de hoje, é um símbolo de marca.
NL – Mas tem ou não cabelo?
EP – Naturalmente que tenho. Já tirei o boné algumas vezes da cabeça para que as pessoas pudessem deixar de pensar que sou calvo. Calvo não sou! Também já me perguntaram porquê que andava de bengala, mas a bengala em si é um adereço próprio das pessoas que lidam com a arte.

NL - Está de volta aos palcos oito anos depois?
EP – Enquanto Eduardo Paim. Faço essa distinção pelo simples facto de o afastamento dos palcos ter-se evidenciado na pessoa de Eduardo do Paim. Musicalmente não, por que sabe que há 10 anos que tenho a EP-Produções em Angola, um projecto que desde a sua nascença destinou-se a contribuir para a melhoria qualitativa e quantitativa da fonografia angolana. Várias são as produções que a EP-Produções colocou no mercado, que resultaram em nomes como os de Paulo Flores, a partir do CD “Perto do Fim”, Banda Maravilha, Euclides da Lomba, Flay, Dog Murras, Moyuenos, enfim, muitos nomes. Daí que a determinada altura ficou-me difícil conciliar as duas situações. De um lado tinha a responsabilidade pessoal para com o meu público e do outro a responsabilidade de honrar o projecto EP-Produções no sentido de dar um maior contributo à música angolana.

NL – Já é possível conciliar a actividade musical e a produção de músicas?
EP – Naturalmente que sim. E diga-se de passagem que para quem como eu terá habituado os seus admiradores com trabalhos de ano a ano, e depois ter ficado oito anos sem ter posto nenhum trabalho no mercado, começou a tornar-se incómodo para mim. O público nunca parou de cobrar, mas hoje já posso respirar de alívio na medida em que cumpri com a promessa de algum tempo e estou satisfeito com a forma como o “Maruvo na Taça” tem sido recebido pelo público. A crítica tem sido extremamente positiva e tem-me motivado já inclusivamente para outros trabalhos. Tenho que me regozijar com todo este tratamento que o público e a crítica vêm fazendo. Tenho notado um carinho muito grande pelo facto de ter voltado às lides musicais.
Tenho recebido e-mais de várias partes do mundo a cobrarem e a solicitarem a minha presença em Moçambique, Cabo Verde, Holanda, enfim, em quase todos os lugares onde a comunidade lusófona se faz sentir. Penso que depois de todo o trabalho feito no passado, alguma marca terá ficado. Agradeço a Deus que esta marca tivesse sido muito positiva e que tem resgatado em nós a vontade de continuar a colocar à disposição do público tudo aquilo que é resultado da nossa inspiração.

NL – O que é que representa para si o “Maruvo na Taça”?
EP – O “Maruvo na Taça” foi mais uma escola na medida em que no início deste projecto, portanto há cinco anos, a ideia não era tão alargada como acabou por ser em termos de participação. Este projecto tinha sido esquematizado inicialmente com poucas participações. Posso dizer que na altura os convidados eram apenas o cota Bonga e Fernando Girão. Em termos de participação de instrumentistas é que a participação já era grande, mas devido ao resultado que colhi com a participação de Fernando Girão e de Bonga, preferi alargar um pouquinho mais.

Cabo Verde, por exemplo, é um País que admiro, de gente que amo, daí que me ocorreu fazer um tema que pudesse reflectir o carinho e a admiração pelos cabos verdianos. Daí a participação da Nancy Vieira. Uma vez que a música é algo dinâmico, daí a ideia de chamar jovens como o Negro Bué, Matias Damásio, contemporâneos meus como o Ângelo Boss, pessoas que eu admiro como Dom Caetano e Voto Gonçalves. Para mim é uma questão de honra ter num trabalho meu a participação desta grande família ou de muitos bons representantes de músicos não só angolanos, mas também portugueses, como foi o caso de Fernando Girão e da Nancy Vieira, de Cabo Verde.

Posso até adiantar que nos próximos trabalhos procurarei também trabalhar com artistas moçambicanos. Afinal de contas a mestiçagem cultural gera sempre uma riqueza na amplitude e magnitude dos trabalhos. Penso que isso é um bom exemplo a seguir.

NL – Tem alguma ideia de como é que é recebida a sua música nos países lusófonos?
EP – Vou tendo algum feed-back extremamente positivo. Em Angola, o trabalho está lançado e tem sido consumido com regularidade. Em termos de distribuição noutros perímetros, é um processo que vai agora na sua terceira semana. Mas já há discos em Cabo Verde, em Moçambique e aqui em Portugal. Afinal de contas Portugal é sempre o ponto de partida. Sei que houve há duas semanas solicitações de discos a partir de França e da Holanda. Acredito que é um processo que está no seu começo e vai estender-se certamente para outros pontos do mundo.

NL – Considera-se um músico da lusofonia?
EP – Sendo Angola um País da lusofonia, não tenho dúvidas em relação a isso. Aliás, o meu percurso e a música são uma prova clara disso. Apesar de ser um artista angolano, o meu trabalho não é consumido apenas por angolanos. Conheço vários países do mundo, sobretudo países de expressão portuguesa. Mas sei que ainda tenho muito que fazer e estou disposto a esse desafio.

NL – Qual é a sua perspectiva da música lusófona no mundo?
EP – A lusofonia no mundo, do ponto de vista musical, literário e das artes plásticas, vem ganhando um relevo já bastante evidente. Acredito que sendo a música uma forma de arte, vem também conquistando também o espaço que deve ter nesta aldeia global que é o mundo. Tudo depende da qualidade daquilo que é feito, mas penso que a música lusófona vem ganhando espaço no mundo sem qualquer sombra de dúvida.

NL – O que é que lhe apraz dizer sobre a sua actividade como produtor?
EP – Sou proprietário de uma produtora, por sinal a primeira do pós-independência. Temos as portas abertas para toda gente. Pelas minhas mãos já passaram muitos trabalhos. E isso é um desafio que se renova a cada nascer do Sol. É claro que ainda não me sinto realizado. Se o admitisse, estaria no fim da linha. E como não é este o meu objectivo nem nada que se lhe pareça, tenho motivos para me sentir no caminho certo e com bastante orgulho.

NL – Porquê General Cambuengo?
EP – Cambuengo é meu nome de casa, o que quer dizer teimoso, resoluto. A história do General teve inicio há 13 anos aquando de uma actuação na Feira Popular de Luanda (FPL) aonde caracterizei-me como militar. Afinal no mundo da música gozamos de uma certa liberdade. Fui vestido a militar e uma das pessoas na plateia, talvez por emoção, chamou-me de General Cambuengo. A partir daí gostei.

NL – E a partir daí adoptou o título.
EP – Não! A adopção foi feita pelo público. É uma forma carinhosa de tratamento do público e aceito com todo orgulho, de coração e com alguma vaidade.

Por Jorge Eurico

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