segunda-feira, 25 de maio de 2009

A arte não tem fronteira quando há qualidade - Afirma o músico Moreira Choguiça


Artigo de 31 de Marco de 2009.

Moreira Chonguiça é uma figura incontornável na música moçambicana, em particular no que diz respeito ao ritmo jazz, a mãe de todos os ritmos. O propósito deste artigo é a segunda edição do Moçambique Jazz Festival que terá lugar em Abril próximo, em Maputo, entre os dias 10 e 11.

O local ainda está por indicar, mas as bandas já são conhecidas, a maior parte delas moçambicanas. Moreira insiste na ideia de se fazer uma aposta nos fazedores da música e na própria indústria, pois os constantes convites para a participação em festivais revela o reconhecimento e qualidade que os músicos moçambicanos têm.

Actualmente, Moreira é rol model da mais recente marca de cerveja, a Laurentina Premium, uma frente que afirma ser preponderante para a associação da sua figura de músico, a sua música ao produto publicitado.

Defensor de que as grandes figuras são lembradas a nível do desporto e da cultura, Chonguiça promete muito espectáculo no Moçambique Jazz Festival, podendo explorar maioritariamente os temas do segundo álbum .......rebuscando o Moreira Project I.

P: Moreira, que comentários fazes sobre o Cape Town Jazz Festival, tendo em consideração a ponte que se fará com o Moçambique Jazz Festival?
Moreira: É um grande festival no qual desfilam grandes nomes. Este ano não estarei a actuar como Moreira Project, mas sim acompanhando outras bandas. No ano passado toquei com Najee.

P: Há uma presença destacável no Cape Town Jazz Festival de músicos moçambicanos...
M: Isso é um indicador de que alguma coisa está a ser feita e é momento de quem de direito começar a olhar para a música com outra disposição. Antes os músicos perfilavam em Joanesburgo, mas hoje há mais abertura e escalam Cape Town. Quer o Governo quer o sector privado e todos os que se interessam pela música deviam estar de olho e atentos a esta evolução. Fazer o mesmo que a selecção nacional de futebol. É muito positivo.

P: É um input positivo para a música moçambicana?
M: Obviamente. Mas não se pode parar. É preciso fazer muito mais, fazer o follow up. Só para ver, são seis bandas o que perfaz cerca de trinta e cinco músicos moçambicanos no palco de um festival daqueles é muito. Eu insisto no discurso de que as instituições devem capitalizar isso na promoção da música. É como no Montreal Festival Jazz onde os Youssoundor furam e conquistam o seu espaço. No país deles há instituições que protegem estes músicos porque eles estão a elevar o nome do país, a bandeira.

P: Há um músico que, não vivendo na África do Sul, foi convidado a fazer parte. Isso revela crescimento?
M: Esse é outro ponto positivo. Stewart não vive em Cape Town mas foi convidado. Ele está a ser reconhecido e levado daqui para lá. Nós começamos a ouvir Stewart e isso é positivo. Se calhar amanhã teremos mais cinco bandas. Mas o meu ponto é what happens next. Vocês media fazem o vosso papel, mas é necessário que se pegue a questão de outra maneira.

P: Os músicos contribuem de maneira destacável para a divulgação não só das mensagens, mas também do nome de Moçambique....
M: Olha, as grandes nações são evocadas muitas vezes através dos desportistas e homens da cultura. E não pela política. Quando falamos dos Estados Unidos da América buscamos nomes como Michael Jackson, Mickael Jordan, Magic Johnson, Steve Wonder, Carl Lewis. No Zimbabwe é o Oliver Mutukuzi, Tomas Mafumo, Chiwonisso, entre outros. Portanto, temos que dar valor a estas coisas.

P: Que expectativas em torno do festival?
M: Olha, este ano estou mais sossegado. Tenho visto que a preparação decorre ao mínimo pormenor. Mas também tinha no ano passado, a preocupação, pois não sabia se as pessoas iriam. Mas foram e encheram o jardim, foram cerca de dez mil pessoas à Matola. O nível de produção foi muito bom. Não posso falar de mais coisas porque não estava por dentro. Eu viajo para outros festivais e não há diferença nenhuma com o que se vê nos Estados Unidos da América e outros países que realizam festivais.

P: O festival enaltece a indústria musical no país....
M: Olha, para fazer um festival precisas de promotores, de managers, de artistas, de media. É uma grande organização, é uma indústria musical. Então, é preciso proteger os fazedores destas maravilhas.

P: Defendes que o jazz é a mãe de todos os ritmos. Porquê?
M: Há vários estilos de música. Dizem que a música clássica é a mais antiga. Há peças que foram escritas nos anos 1800. Mas o jazz é um estilo novo. Não existe há mais de 150 anos. Mas permite a integração de muitos ritmos porque o jazz é a mãe de todos os ritmos. O hip hop é do jazz, o scating, o R&B. E o jazz pode ser usado como uma mina de marketing porque jazz is everway. E podes trazer uma banda de rock num festival de jazz porque aquela malta de rock também faz ambiente. Na arte não há fronteiras.

P: Há dias esteve cá a Lira, cantora sul-africana de afro-jazz. Cantou no Mafalala Libre. Isso é crescimento....
M: Estamos a crescer, sim. Veja uma coisa, o jazz sempre esteve em voga. Nos anos ´40, antes do aparecimento da electrónica, a música que mais tocava era o jazz, na era dos Elvis, Beatles. Era o pop da era e as pessoas pensam que pop é um estilo de música. Não existe música pop. Era o jazz e isso significa popular. Apareciam Charles Parker e outros nas capas das revistas de moda naquela altura, até que com a evolução da ciência apareceram instrumentos e começou-se a tocar o blues mais rápido, apareceu o rock and roll e o jazz perdeu algum espaço.

P: Mas os músicos não se deixaram abater....
M: Claro. Os músicos que tocavam jazz como Miles Daves disseram: vamos começar a tocar jazz com instrumentos electrónicos. Foi buscar John MacRuff qe tocava rock e misturou tudo. Por isso duraram. O jazz em New York sempre foi tocado em espaços pequenos de 50....60 pessoas. Os bares são uma componente muito importante porque não temos capacidade financeira para realizar festivais de jazz todos os dias. Então essa é a saída. E foi bom ver a Lira a tocar naquele espaço.

P: Mas já existiam no passado espaços de jazz?
M: Havia o Topázio, o Restaurante Costa do Sol. Num sábado tínhamos cinco a sete sítios para ir.
P: A plateia moçambicana diz que soas a pouco quando em festivais...

M: ....(risos)....Esse é que é o problema. Tudo o que é bom soa há pouco. Eu geralmente no meu contrato peço 75 minutos porque é festival. Eu não consigo porque para mim, 75 minutos ainda nem começei a dar o show. Mas as regras do festival são assim mesmo. Quando é meu espectáculo, que tenho hora e meia, já é diferente. Tenho tempo para cantar à vontade.

P: O que é que o público pode esperar desta vez?
M: Desta vez teremos o Moreira Chonguiça muito activo. Sabes que gosto de experimentar, talvez me aleije por causa disso. Vamos tocar em grande o novo disco. Claro que irei misturar com o material antigo.

P: Surpresas. No ano passado entraste no festival a cantar uma música com base rítmica Mapiko. Entretanto, não tinhas ninguém para dançar.
M: Mas não preciso que haja alguém a dançar porque é cliché. Porque é que toda a música africana tem que ser dançada?

P: No ano passado trouxeste a componente diversidade, tocando com o Simba. E este ano?
M: O Simba vai participar, mas fora isso tenho outras novidades que serão surpresas. Foi bom vir para aqui apanhar um pouco de ar. Estou a vir de Luanda.

P: Esta iniciativa da Laurentina de levar pessoas que nada ou pouco sabem sobre jazz é meramente de marketing ou inserção das pessoas neste ritmo?
M: Olha, estas coisas de evolução, globalization mudam o curso das coisas. Porque é que os vídeos que se tocam na televisão são mais de hip hop, R&B e não jazz? Nós artistas de televisão temos de perceber uma coisa. Eu sou uma imagem e por tal tenho que me associar a uma marca. Não é por acaso que Brad Pitt faz imagem da Heineken, o Pierce Brosman faz a imagem, enfim, e tantos outros. É uma questão da imagem. Se eles vão vender mais cerveja é bom para eles.

P: O contrato é bom para ti?
M: É bom para mim porque ganhamos ambos e se há um tipo que bebe cerveja mas que não gosta do jazz, poderá comprar a bebida e dizer já agora, deixa-me ir ver. E quando lá chegar dirá aos amigos: “afinal essa música que andas a ouvir é boa”. Nós somos educadores. Precisamos de veículos, patrocinadores para nos fazer chegar a esse tipo de situações. Por exemplo, a mcel usa a imagem de Lizha James, Stewart e faz com que as pessoas sejam conhecidas.

P: Tens acompanhado a música moçambicana?
M: Sim, tenho acompanhado. O que é bom é que em jazz, em particular, teremos Stewart, Loading Zone, Ívan. Isso é muito bom. Mas há uma coisa que devemos fazer, que é trabalhar um pouco mais a música moçambicana. A qualidade dos CD’s. As pessoas querem ter o orgulho de ouvir o disco. Temos que investir na produção da nossa música, a nossa composição, apresentação sonora da música. Como gravas, onde gravas.

P: Não basta a música ser boa....
M: Olha, na Inglaterra podes entregar um disco para tocarem. Logo ao pegarem e verem que não tem qualidade de produção nem tocam. É preciso que se invista.
P: Parece que no nosso país investe-se mais em vídeos.....
M: Olha, esse é o único país em que vejo pessoas a gastarem mais de dez mil dólares a fazerem um vídeo e com a produção dos disco só gastam quinhentos dólares. Faz-se um vídeo para vender o CD.

P: Como enquadramos o poder de compra?
M: Não há justificação para isso. Quando se realizam eventos no Coconuts, os músicos que não investem na qualidade não vendem. Quantas pessoas vivem no prédio dos 33 andares? São muitas. Queres dizer-me que aquelas pessoas não têm 500,00 MT para comprar um disco? Tudo começa por um sítio, a qualidade é a chave disso. Há países africanos muito mais pobres que nós, mas que estão a produzir discos de qualidade e que são comprados. Em Marracuene há celulares mais recentes. Achas que aquelas pessoas não têm dinheiro para comprar um disco?! Se as pessoas virem qualidade no disco, claro que vão comprar. Estou muito orgulhoso por estarmos a ganhar prémios, mas where is the CD? Eu fui fazer a masterização do disco na França. Pensas que não há estúdios na África do Sul? Há, mas eu quero mais.

P: Moreira, julgas oportuno termos uma escola de música no Centro e Norte do país?
M: É imperioso porque facilitaria a criação de bandas, despoletaria mais talentos. É engraçado que havia dedicação no tempo em que faltavam condições. Hoje, há dinheiro mas a entrega é muito pouca.

Frederico Jamisse

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