segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Musicos electronicos e a mimica dos "play-backs".


Temos visto no nosso país que a qualidade da música muitas vezes é rejeitada para dar vazão ao supérfluo. Quer dizer, não interessa termos uma banda em palco a destilar qualidade, simplesmente porque chegou-se a uma situação em que as pessoas se acomodaram aos “play-back”, bastando ter um computador para se ser músico. Que leitura faz de tudo isso?


- O que eu acho é que estamos numa crise profunda. Pode não parecer, mas estamos. As pessoas envolvidas nesse negócio estão a ganhar mais dinheiro agora. Há empresas, algumas públicas outras meramente privadas, que suportam essa forma de estar na música. Está-se a ganhar muito dinheiro, mas também estamos numa crise profunda em termos de música como arte. Estamos mais a explorar a música como negócio, e nessa perspectiva nunca se esteve bem como se está actualmente. Pelo perfil externo dos músicos que trilham por esse estilo a gente vê que estão a gozar de um patamar que de longe não é comparável com os músicos tidos como os da velha guarda.
Mas, em outras sociedades organizadas cada um dos géneros tem o seu espaço, seja o gravado electronicamente ou aquele que é música como arte, que se toca, se enraíza e perdura no tempo, porque nunca ultrapassado. O nosso pecado é que aqui estamos a atribuir também o espaço que devia ser reservado à música séria a esses estilos de música. E isso ganha o seu exagero quando aquelas instituições que se esperava que fossem elas a serem protagonistas da preservação da música tipicamente local sob ponto de vista de valores culturais, de arte, também aparecem somente a patrocinar a evolução desses estilos.

Estou a falar de empresas que toda a gente conhece e que estão por detrás do crescimento desses músicos e a fazerem o suporte material e financeiro em detrimento de outros músicos que fazem música séria. Por exemplo, mesmo em cerimónias de nível central do estado ao invés de chamar um músico que venha com banda ou o seu instrumento, vemos indivíduos a cantar em “play-back”. E para piorar, como tudo se faz sem qualidade, o que vemos é um puro exercício de mímica, porque o instrumento e a voz estão lá e o músico também está ele próprio embaraçado num jogo em que muitas vezes já nem se recorda da sua própria música, pois não canta e sim decalca. Portanto, uns fingem que cantam e outros que estão a curtir a cultura quando nada disso acontece. É que “play-back” pressupõe música instrumental em que tenha sido retirada a voz, pois esta é originalmente a do músico.
- E são esses músicos electrónicos que tem maior espaço na praça.- São esses músicos electrónicos que tem maior espaço, a nível das rádios as músicas tem maior tempo de antena, tem maior tempo de antena em vídeos clipes, nos programas em que se fala de música são os mais convidados. Portanto, sem que nós nos apercebamos estamos a criar uma doutrina de música moçambicana que, infelizmente, se está enraizando, e com ajuda, infelizmente, dessas instituições. E isso tem consequências, pois se ouvíamos um Arão Litsure, Hortêncio Langa e por via disso conseguimos ouvir um Kapa Dêch porque boa música e tem alguma coisa de nós, mesmo com toda a dificuldade que eventualmente existiria para definir o que é a música moçambicana, hoje isso já não acontece. Só temos esses músicos electrónicos a ocuparem todo o espaço de antena, o que cria a ideia de que a música moçambicana é somente isso.- Acha que corremos o risco de ver desaparecer essas referências?
- Se hoje ainda estamos a ouvir Mingas, Elsa Mangue, Hortêncio Langa é porque no tempo que crescemos a música que essencialmente tocava nas rádios era essa. Agora não estão a ser colocados a 50 por cento os dois géneros que é para se poder optar, e nem se dá essa oportunidade. Está-se, sim, a fazer esquecer o que vinha sendo tocado e cantado por causa da nova versão de música moçambicana que é a que se pretende enraizar, daí o apoio desinibido, para esse género, por parte de muitas instituições. Portanto, há aqui uma crise profunda e é preciso que se tome conta, não sabemos a quem responsabilizar exactamente, mas urge interverter o cenário.
Francisco Manjate

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