segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Stewart Sukuma; O fragmento e o sentido na música


“Nkhuvu” (celebração) é o título que Stewart Sukuma escolheu para o seu segundo álbum de originais depois de Afrikiti.


Oriundo da cidade de Quelimane, Stewart Sukuma apresentou, pela primeira vez, num concerto bastante concorrido, os temas que compõem o seu mais recente disco. A iminência da sua produção musical pode ter sido o mote que levou a que a Mozal apoiasse a produção do disco. Num momento que se desenha crucial para o artista – tem muitos planos em carteira – “Nkhuvu” surge-nos como um rebuscar, nas mais profundas raízes da nossa música, do que melhor há para explorar. “Nkhuvu” é um disco obrigatório para os apreciadores da boa música moçambicana.

Nascido Luís Pereira e celebrizado como Stewart Sukuma, o compositor e intérprete, com apoio da Mozambique Alumínios (Mozal), brinda-nos, neste último terço de 2007, com um disco rico em termos de propostas. Só o naipe de convidados – Lokua Kanza, Jimmy Dludlu, Roger Moreira, Bonga Kwenda, Sheila Jesuita, Elizah e Artur Maia – é revelador do valor e da confiança que Stewart Sukuma desperta nos seus pares.

As 18 músicas que compõem este CD transportam toda uma intensidade da vivência quotidiana de um povo. A história é aqui contada e cantada com a evolução dos acontecimentos, neste caso cerimónias, que vão desde o nascimento de uma criança, os seus ritos de iniciação, a procura de uma identidade, o casamento e a celebração da própria vida. São elas: Yowe Yowe-Xin’wanana, Mandziko wa Siku (No Futuro), Tingalava (barcos), Tingalava ni Matlhari ya Ndzilo (os barcos e a pólvora), Hita kina Marrabenta, Mabongwe (macho), Felizminha, Raci, Aliteya (Rio), Ameli, Vana va Nhlonipho, Wulombe (Mel), Ginani (o que se passa?), Tukuraka (queremos...), Olumwengo (mundo), Mahuta, África, A Lirandzo (amor).

Os ritmos, fruto de uma pesquisa na música tradicional, mesclada com a música urbana dão um toque e espelham aquilo que é a nossa vivência no mundo global de hoje com a finalidade explícita de obter um som universal. A música é simplesmente boa. Agradável ao ouvido... embora num e noutro caso – sobretudo no capítulo da língua escolhida – se notem algumas fragilidades que são superadas pelo conjunto da obra.

Sukuma foi buscar nos arquivos da Companhia Nacional de Canto e Dança, Arpac, nos bairros periféricos da cidade de Maputo e noutros locais, algumas propostas, em termos de ritmos, para construir o “Nkhuvu”. Genial também o registo, num quintal com som natural, de um grupo de canto coral do Infulene.
É possível perceber sons de m’ganda, marrabenta, makara; também se podem ouvir sons resultantes da mistura de marrabenta, morna e semba no tema “Aliteya” (Rio) e ainda samba, kwassa-kwassa e marrabenta no tema “África” por exemplo.

Essa multi-sonoridade dá ao disco um som aberto, virado para o mundo. As melodias executadas por Stewart Sukuma são um reflexo da variadíssima gama de influências ancestrais que habitam esta terra e que hoje são pontos de referência na cultura moçambicana. A influência islâmica no norte de Moçambique, outrora visitada amiúde pelos árabes e a inevitável herança dos portugueses espalhada pelo país inteiro, são exemplos inegáveis dessa rica mestiçagem que hoje prevalece. As letras passam uma mensagem de afirmação cultural, rebuscando na história factos e acontecimentos verídicos com base no sentimento que une todos os seres humanos: o amor, cantado aqui de várias formas.

Outra nota de destaque nesta produção – suportada integralmente pela Mozal – é o excelente trabalho de equipa. Há músicas de Stewart com letras de Samito Matsinhe. Traduções de outros artistas como Mitó Guambe (Kapa Dêch), Aly Faque e Júlia Mwito.

Stewart diz que esse espírito é que dá a riqueza que o disco incorpora. Houve situações em que eu fazia a melodia e logo o Samito criava a letra. Foi um trabalho de equipa fantástico. Há músicos que conseguem fazer tudo, mas eu penso que também é preciso abrir as portas para novas experiências e isso está patente em “Nkhuvu”. “Nkhuvu” é a alegria, o riso, o choro, a música, a dança; e a forma de celebrar a vida. “Nkuvu” é a celebração, é a vitória de cada etapa da nossa vida.Stewart diz que “Nkhuvu” é também uma celebração da amizade, do amor fraterno, do espírito de entreajuda que recebeu quando, em 1977, veio radicar-se na cidade de Maputo.

NKHUVU: A motivação
Neste mundo tão conturbado, precisamos de referências fortes para nos situarmos no mundo global e a música dentro do mosaico cultural tem uma palavra a dizer; Stewart fê-lo da forma mais bonita: cantando a nossa história! A música africana é a imagem de África. A música existe, e em qualquer parte ela está presente. Este facto isolado não tem nada de especial.
O que a torna especial é a histórica relação que ela tem com o som e a forte comunhão com o efeito visual que a diferencia de qualquer outra cultura no mundo. O som carrega consigo o ritmo e o movimento cria a imagem, diz Stewart Sukuma. A vida em África é determinada pelo número de eventos que ela comporta, com a música simbolizando o nascimento, os ritos, o casamento, as colheitas e a morte.

Desta forma, a identidade de um povo manifesta-se na maneira como ele celebra as suas cerimónias. É desta forma que Stewart Sukuma revela-nos a dimensão da nação através da celebração em forma de música onde está expressa a alegria de sermos nós, continuarmos nós e transmitirmos aquilo que é a nossa identidade.
A Mozal, entendendo essa perspectiva, não hesitou em apoiar o projecto de pesquisa e produção de música urbana com base na música tradicional. Aliás, Alcido Maússe, Director da Associação Mozal para o Desenvolvimento da Comunidade, disse, depois de receber a primeira parte dos 500 discos que são destinados àquela empresa de Fundição de Alumínio, que iriam continuar a apoiar aquele tipo de iniciativa. É uma honra para nós termos apoiado um artista talentoso como o Stewart.

Assim, temos certeza absoluta que iremos deixar algo valioso, em termos musicais, para as gerações vindouras. A pesquisa da música moçambicana que Stewart está a fazer vai permitir-nos saber as nossas origens e podermos projectar o futuro, disse Mausse antes de rematar assim: vamos continuar a apoiar estas iniciativas! A iniciativa, ao que tudo leva a crer, deu apenas o primeiro passo.

Próximo ano, a partir de Março, Stewart Sukuma vai levar o “Nkhuvu” para todas as províncias do nosso país. A par da divulgação deste CD, Stewart irá prosseguir com a pesquisa de ritmos e canções tradicionais para uma segunda produção discográfica. Em simultâneo, dando prosseguimento a uma campanha individual, irá, durante a digressão, realizar palestras com estudantes no âmbito do projecto “Eu tenho um sonho” virado para o combate ao HIV/SIDA. Nesta vertente, Sukuma já fez palestras em Inhambane e na cidade de Maputo.

Escrito por Beladamugy

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