segunda-feira, 21 de julho de 2008

Internacionalizar a música depende de produção séria

Feliciano dos Santos, lider dos Massukos

Massukos é actualmente uma das bandas – senão mesmo a única – de maior projecção no estrangeiro. Paradoxalmente, localmente este agrupamento não tem aparecido em concertos badalados, sobretudo nas cidades de Maputo, Beira e Nampula. Localmente, a sua intervenção situa-se mais a concertos nas comunidades, onde grande parte das vezes não chega a pedir dinheiro por isso. E ao realizar estas acções nas comunidades, os Massukos tem em conta que, por um lado, estão a prestar aquilo que é um trabalho com grande impacto social, e, por outro, sabem que é lá onde colhem matéria-prima para as suas ferramentas musicais. Nas comunidades está o poço da vida, onde bebem toda uma experiência e que depois a transportam para o mundo. Com qualidade.


E quanto à música moçambicana, Feliciano dos Santos, líder dos Massukos, acredita que para isso tem que se apostar, primeiro, num trabalho de base bastante sério. Apostar na seriedade. Porque só uma acção séria é que nos vai permitir atingir as nossas aspirações, e deste modo projectarmos a nossa música moçambicana, que têm qualidade. A internacionalização depende disso.
Feliciano dos Santos ganhou recentemente um prémio milionário (150 mil dólares americanos) pela sua actuação, com a Organização ESTAMOS em trabalhos ambientais e de melhoramento das condições de vida das comunidades. Com a “ESTAMOS”, situada na província do Niassa, a sua intervenção situa-se mais no melhoramento das condições sanitárias, água potável e HIV/Sida.
Em entrevista ao nosso Jornal, Feliciano dos Santos fala dos Massukos e dos festivais em que a banda vai participar na Inglaterra, mas também da relação que a sua banda tem com as comunidades.
- Até que ponto a música ajuda nas questões que tens desenvolvido para as comunidades?
- Eu acho que ajuda bastante. Eu sempre fiz combinação do trabalho com a música. Vamos às comunidades e fazemos concertos. É muito normal a gente recusar concertos de ir tocar em Maputo, em Nampula, e exigirmos condições boas. Mas, nós nunca recusamos ir tocar naquelas comunidades, e isso porquê, porque temos um compromisso social com as nossas comunidades. Não é porque a gente ganha dinheiro quando faz isso, temos apenas um compromisso social e cultural. Mas também nós sabemos que é ela onde a gente vai buscar aquilo que faz de nós sermos a banda que somos. Nós como banda, o que produzimos bebemos lá nas comunidades. E quando vamos trabalhar nas zonas do interior sabemos que a música tem um potencial bastante bom. E também ficamos satisfeitos quando vemos as pessoas a delirarem com a nossa produção. Trocamos experiências, porque nós damos o que somos capazes de fazer com instrumentos modernos, e eles nos oferecem o que fazem a partir dos instrumentos tradicionais. Porém, o que fazemos depois é juntar esses dois elementos.
- Mas como é que interpreta a música tradicional?
- Na vida aprendi que é muito difícil fazer uma música tradicional sem mensagem. Se estou errado podem me corrigir. Mas, eu não sei se existe música tradicional sem mensagem. Mas há muita música moderna sem mensagem. Mas música tradicional, aquela lá dos nossos velhos sempre se cantou com mensagem. Mesmo que essa mensagem seja para gozar alguém, mas sempre teve mensagem e é de grande impacto. Então, isso é porque a música tem poder de influenciar, tem poder de mudar as pessoas. É uma grande terapia.
- Uma coisa que nos pode dizer é: hoje os Massukos tem uma projecção internacional que é algo interessante, mas eu gostava me respondesse como é que nós podemos conseguir internacionalizar a música moçambicana com mensagem?
- Essa pergunta é muito interessante. Pela experiência que eu tenho e dos lugares que nós já tocamos só posso dizer que Moçambique tem um espaço grande lá fora. E hoje em dia os ouvidos dos vários países desenvolvidos já estão saturados de um género musical. Já estão saturadíssimos. E precisam de coisas novas, e Moçambique tem muita coisa nova para oferecer ao mundo. O mais importante é que as pessoas tem que perceber que precisam de produzir música moderna com mensagem. Porque as pessoas têm a concepção de que a música que as bandas como Kapa Dêch e os Timbila Muzimba tocam é tradicional é errada. É errada mesmo. Porque nós temos que nos perguntar, afinal o que é o moderno e o tradicional. O moderno é o inovativo. Se nós olharmos para a história, veremos que a era Moderna foi buscar tudo da Grécia e transformou, deu as suas inovações. Eles foram buscar o tradicional e foram dar um cunho novo e ficou moderno.
- Quanto ao nosso caso, há possibilidades disso?
- Sim. E o que nós fazemos como Massukos é ir buscar o que de bom tem o tradicional. Aquilo que os nossos velhos tem e colocamos inovações. E quando colocamos elementos novos isso fica moderno. Com esses elementos, onde a base tradicional está patente, projectamo-nos. E é essa música que nós temos que apresentar aqui no país e no mercado internacional. Nós temos esse espaço, e é um espaço muito grande.
- Como é que enquadra a questão dos festivais?
- A única maneira que temos de internacionalizar a nossa música é também abrir espaços, ter contactos, procurar editoras sérias, bater portas certas. Nós este ano vamos tocar num dos maiores festivais de música do mundo. Quem vai estar lá são músicos como Jay-Z. Vão estar lá grande nomes, e isso para uma banda como os Massukos é muito bom, embora tenha que dizer que se calhar não sejamos tão bons como os Kapa Dêch, por exemplo, que tecnicamente toca bem, como os Timbila Muzimba, que tecnicamente são bons executantes. Mas o mais importante é saber bater a porta certa na hora certa. Isso é muito importante.
- Há uma coisa que eu consigo perceber no seu discurso, que é estar a querer dar a entender, mais do que nunca, que neste processo de trabalhar o moderno há que haver também muita seriedade da parte dos próprios músicos, dos artistas.
- Mas, sem dúvidas. Seriedade é uma coisa que é muito importante. Quer dizer, hoje, como dizia o Marcelo – um amigo meu e produtor de vídeos – basta ter óculos escuros e dois brincos para se considerar músico. E eu concordo com ele. O importante é que há espaço para todo o tipo de músicos, houve uma entrevista na qual me perguntavam sobre o conflito de gerações e eu dizia que, para mim, o conflito de gerações é uma coisa que nós não podemos discutir. Não devemos discutir isso, mas sim discutir coisas que vão contribuir para o melhoramento da nossa música e há espaço para todos, para todo o mundo e de todas as idades, jovens, velhos. Porque se formos a perguntar qual é, por exemplo, a idade de músicos como o Jay-Z, vamos descobrir que são da nossa idade. E há outros que são velhos, mas são pessoas que trabalham seriamente, produzem música séria e a sério. E o importante é que as pessoas devem perceber que precisam de produzir música a sério, a sério e com mensagem.
- O prémio que ganhou abre-lhe portas. Que projectos existirão a nível da organização e também na componente musical?
- Há muitas portas que foram abertas com este prémio. Tanto para o grupo, como para a organização. Agora existe um desafio bastante grande que é antes de ganhar o prémio já tinha conseguido um emprego fora de Moçambique. Devia começar a trabalhar como gestor regional de um projecto internacional. Gestor regional para África e Ásia, mas agora veio o prémio. E isso coloca o grande desafio de se devo ficar ou devo ir, mas esta é uma resposta que eu não posso dar agora, mas devo dizer que há muitas portas abertas para o grupo, mesmo sem a minha presença, e há muitas portas abertas para a organização mesmo sem a minha presença, porque afinal o nome do grupo e da organização estão espalhados pelo mundo fora, então há espaços para trabalharem, mesmo que eu não esteja. Então, é provável que eu tenha que decidir que vou sair...
- Mas, o sair significará um sair em definitivo, portanto, um abalar?
- Não, não significa isso. A ter que sair vou continuar a prestar todo o meu apoio a banda e a organização, e se calhar pode ser uma melhor porta o facto de eu estar fora. Isso, se calhar pode trazer mais melhores oportunidades ao grupo e a organização.
MASSUKOS E OS GRANDES FESTIVAIS

Agora decidimos que é preciso trabalhar com afinco, para podermos responder com responsabilidade aos compromissos muito sérios que temos para 2008.
De acordo com o líder da banda, os Massukos chegam a Londres a 19 de Junho próximo, devendo actuar no dia 21, no África Oye Festival de Liverpool, para no dia seguinte tomarem parte no África Oye Festival de Glasgow. O ponto mais alto da digressão será no dia 28, com a actuação no Glastonbury Festival, uma das maiores festas de música internacional que marca o Verão na Inglaterra. A última actuação será a 12 de Julho no Croydon Summer Festival, na cidade de Londres.
Feliciano dos Santos disse que estão a trabalhar na perspectiva de aproveitarem a sua presença na Europa para gravar mais um disco, mas isso vai depender da disponibilidade de tempo. Além dos quatro concertos já confirmados, irão também participar noutros eventos em escolas e outras instituições no âmbito da sua intervenção social, estando agora a trabalhar ao pormenor toda esta agenda justifica a preocupação que há de afinar o grupo ao pormenor.
Fonte: Jornal Noticias

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