sexta-feira, 14 de maio de 2010

Não havia espaço para mais. A festa tinha atingido o seu clímax.

Jose Mucavel


HÁ factos que pela sua grandeza se tornam indescritíveis, sob pena de não sermos fiéis ou, na pior das hipóteses, de incorrermos no risco de não atingirmos a real dimensão. É o caso do concerto realizado sexta-feira última, no Centro Cultural Universitário, em homenagem ao etnomusicólogo, compositor, interprete e autodidacta José Mucavel.

Tratou-se de um concerto sui generis, único na sua concepção e realização, juntando gurus da música moçambicana apimentados pela cantora Sibonguile Khumalo, voz sul-africana que afinal de contas também é nossa. Sibonguile Khumalo tem as suas origens em Mandlakazi, província de Gaza.

Mucavel ao festejar 60 anos de vida e 41 de carreira musical, trouxe para o palco do Centro Cultural Universitário, ex-cinema Continuadores, o melhor naipe de fazedores da música moçambicana: Hortêncio Langa, Arão Litsure, João Cabaço e Moreira Chonguiça, são artistas de créditos firmados que nada tem a provar a ninguém. Pena que raramente se apresentam em público, a excepção do jovem Moreira Chonguiça que amiúde realiza concertos.

Hortêncio Langa, acompanhado pelo trio Aderito Gumate (piano), Filipinho (viola baixo) e Miranda (bateria), foi o primeiro a intercalar a performance de José Mucavel. Reviveu e fez reviver “Teresa”, uma canção com uma dezena de anos, para depois brindar o público com “Lirandzo”, uma canção recentemente regravada por Stwart Sukuma e que dispensa qualquer tipo de comentário. Era o início de uma noite de boa e melhor música produzida por cá.

Saiu Hortêncio Langa, voltou Mucavel para mais um acústico das suas investidas pelo tradicional moçambicano. Boa música, mas não para qualquer um. Escutar e entender a guitarra de Mucavel é necessário um ouvido apurado e ter gosto requintado. É meio complicado entender as nove afinações que Mucavel até agora introduziu na escala, partindo das investigações que tem desenvolvido do vasto e rico património tradicional moçambicano.

Arão Litsure subiu ao palco de seguida, surpreendendo o público com “Moça Bonita Vem de Pemba”, um tema inédito com a qual demonstrou a sua invejável capacidade vocal. Fechou a sua actuação com “kwiri” (barriga/grávida), num fabuloso dueto com Rosi. Já ninguém tinha dúvida que a música moçambicana é boa e forte, sobretudo a desta geração de músicos.

Aliás, não tardou, João Cabaço dissipou a mínima dúvida que eventualmente podia prevalecer. Brincou a bem brincar com a sua voz, com as vozes dos coristas, com os instrumentistas e sem esforços, levou o público a uma grande ovação. Era o João Cabaço de sempre!

Terminou esta primeira parte dos convidados nacionais. Veio a segunda, aberta por Moreira Chonguiça, jovem saxofonista moçambicano radicado nas terras do rand.

Como sempre a inovar nas suas aparições em público, Moreira Chonguiça, mais uma vez demonstrou a sua criatividade, subindo ao palco falando no seu “cell” com o produtor do concerto. São coisas do Moreira Chonguiça. Ele é bom de improvisos.

Com o seu saxofone viajou para Nampula, confundido o público com sons das arábias, mas na verdade tudo aquilo era moçambicano. Depois improvisou num dueto com José Mucavel. Aí sim, difícil foi o público manter-se sentado. Foi um dos grandes momentos do concerto, tal como aconteceu quando Mucavel e Sibonguile Khumalo juntos cantaram “Balada para as Minhas Filhas”.

O júbilo não terminou por aí, pois, o trio Mucavel, Chonguiça e Sibonguile Khumalo, teve ainda o ensejo de mostrar a sua nata capacidade artística.

Não havia espaço para mais. A festa tinha atingido o seu clímax.

A Primeira-dama, Maria da Luz Guebuza, acompanhada do Primeiro-ministro, Aires Ali, foi convidada a fazer-se ao palco, era o momento solene que culminou com a oferta de uma guitarra ao homenageado José Mucavel.

Quando se pensava que o concerto terminou eis que José Mucavel volta ao palco acompanhado por Carlitos Gove (viola baixo), Jorge Domingos (guitarra solo) e Paito Checo (bateria). Viajou-se para o tempo do “Atravessando Rios”, “Xigutsa Xa Vutomi”. Era uma viagem no tempo que trouxe um Mucavel diferente, ou melhor, com música diferente e mais simples, que os seus “Compassos”.

Tudo isto aconteceu em simultâneo com uma iniciativa até agora única entre nós. Sete artistas plásticos pintavam em palco uma tela gigante em homenagem a José Mucavel. È a criatividade e originalidade dos moçambicanos.
João Fumo

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