HÁ factos que pela sua grandeza se tornam indescritíveis, sob pena de não sermos fiéis ou, na pior das hipóteses, de incorrermos no risco de não atingirmos a real dimensão. É o caso do concerto realizado sexta-feira última, no Centro Cultural Universitário, em homenagem ao etnomusicólogo, compositor, interprete e autodidacta José Mucavel.
Tratou-se de um concerto sui generis, único na sua concepção e realização, juntando gurus da música moçambicana apimentados pela cantora Sibonguile Khumalo, voz sul-africana que afinal de contas também é nossa. Sibonguile Khumalo tem as suas origens em Mandlakazi, província de Gaza.
Mucavel ao festejar 60 anos de vida e 41 de carreira musical, trouxe para o palco do Centro Cultural Universitário, ex-cinema Continuadores, o melhor naipe de fazedores da música moçambicana: Hortêncio Langa, Arão Litsure, João Cabaço e Moreira Chonguiça, são artistas de créditos firmados que nada tem a provar a ninguém. Pena que raramente se apresentam em público, a excepção do jovem Moreira Chonguiça que amiúde realiza concertos.
Hortêncio Langa, acompanhado pelo trio Aderito Gumate (piano), Filipinho (viola baixo) e Miranda (bateria), foi o primeiro a intercalar a performance de José Mucavel. Reviveu e fez reviver “Teresa”, uma canção com uma dezena de anos, para depois brindar o público com “Lirandzo”, uma canção recentemente regravada por Stwart Sukuma e que dispensa qualquer tipo de comentário. Era o início de uma noite de boa e melhor música produzida por cá.
Saiu Hortêncio Langa, voltou Mucavel para mais um acústico das suas investidas pelo tradicional moçambicano. Boa música, mas não para qualquer um. Escutar e entender a guitarra de Mucavel é necessário um ouvido apurado e ter gosto requintado. É meio complicado entender as nove afinações que Mucavel até agora introduziu na escala, partindo das investigações que tem desenvolvido do vasto e rico património tradicional moçambicano.
Arão Litsure subiu ao palco de seguida, surpreendendo o público com “Moça Bonita Vem de Pemba”, um tema inédito com a qual demonstrou a sua invejável capacidade vocal. Fechou a sua actuação com “kwiri” (barriga/grávida), num fabuloso dueto com Rosi. Já ninguém tinha dúvida que a música moçambicana é boa e forte, sobretudo a desta geração de músicos.
Aliás, não tardou, João Cabaço dissipou a mínima dúvida que eventualmente podia prevalecer. Brincou a bem brincar com a sua voz, com as vozes dos coristas, com os instrumentistas e sem esforços, levou o público a uma grande ovação. Era o João Cabaço de sempre!
Terminou esta primeira parte dos convidados nacionais. Veio a segunda, aberta por Moreira Chonguiça, jovem saxofonista moçambicano radicado nas terras do rand.
Como sempre a inovar nas suas aparições em público, Moreira Chonguiça, mais uma vez demonstrou a sua criatividade, subindo ao palco falando no seu “cell” com o produtor do concerto. São coisas do Moreira Chonguiça. Ele é bom de improvisos.
Com o seu saxofone viajou para Nampula, confundido o público com sons das arábias, mas na verdade tudo aquilo era moçambicano. Depois improvisou num dueto com José Mucavel. Aí sim, difícil foi o público manter-se sentado. Foi um dos grandes momentos do concerto, tal como aconteceu quando Mucavel e Sibonguile Khumalo juntos cantaram “Balada para as Minhas Filhas”.
O júbilo não terminou por aí, pois, o trio Mucavel, Chonguiça e Sibonguile Khumalo, teve ainda o ensejo de mostrar a sua nata capacidade artística.
Não havia espaço para mais. A festa tinha atingido o seu clímax.
A Primeira-dama, Maria da Luz Guebuza, acompanhada do Primeiro-ministro, Aires Ali, foi convidada a fazer-se ao palco, era o momento solene que culminou com a oferta de uma guitarra ao homenageado José Mucavel.
Quando se pensava que o concerto terminou eis que José Mucavel volta ao palco acompanhado por Carlitos Gove (viola baixo), Jorge Domingos (guitarra solo) e Paito Checo (bateria). Viajou-se para o tempo do “Atravessando Rios”, “Xigutsa Xa Vutomi”. Era uma viagem no tempo que trouxe um Mucavel diferente, ou melhor, com música diferente e mais simples, que os seus “Compassos”.
Tudo isto aconteceu em simultâneo com uma iniciativa até agora única entre nós. Sete artistas plásticos pintavam em palco uma tela gigante em homenagem a José Mucavel. È a criatividade e originalidade dos moçambicanos.
João Fumo
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