segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Tonota: O amor africano na guitarra de Jimmy


JIMMY DLUDLU, um dos maiores guitarristas moçambicanos, lança esta sexta-feira, em Maputo, a sua mais recente produção discográfica intitulada “Tonota in the Groove”, num espectáculo de palco a ter lugar no Centro Cultural Franco Moçambicano (CCFM).

“Tonota in the Groove” é o sétimo álbum do guitarrista Jimmy Dludlu lançado no passado dia 25 de Maio, na vizinha África do Sul, sob chancela da Universal Music.

Com 15 faixas, "Tonota" conta uma história cheia de vida de Jimmy e é um retorno aos primeiros anos de busca de lugar no mundo musical.

Tonota é nome de uma vila fronteiriça, no Botswana, e que se situa a 30 quilómetros de Bulawaio, Zimbabwe. É onde Jimmy Dludlu, depois de sair da Suazilândia, viveu e amadureceu como músico de referência internacional.

Foi em Tonota onde, inclusive, teve a sua primeira filha, a Linda. Com efeito, Tonota é um lugar de vivências profundas e de simbolismos particulares para Jimmy Dludlu. É impossível falar da carreira dele sem referir o nome deste lugar. Basta lembrar que mesmo o seu primeiro disco, o Echoes From the Past, foi concebido, produzido e gravado ao longo daqueles primeiros anos em que ele viveu em Tonota.

Depois de sair de Botswana para se estabelecer em Cape Town, Jimmy Dludlu pediu a uma família, em Tonota, que ficasse a cuidar da filha. Não tendo podido ir com o pai a Cape, a pequena Linda ficou, então, sob cuidados da família Mulawa, durante muitos e longos anos.

È neste sentido que o novo disco de Jimmy Dludlu é, em primeiro lugar, um tributo a esta família remota e generosa de Tonota, pelo papel que teve na vida do artista e na educação da sua filha. Quando diz Tonota “into the groove”, ele quer dizer que os milagres da música podem nascer do insólito. Quer dizer que as capitais do jazz não estão somente nos pub’s onde se toca o estilo, mas no amor daqueles que, com a sua imaginação, criam os artistas. O “Tonota” é a festa do amor africano!

“Eu cresci no Botswana como músico e foi lá onde selei a minha carreira, tendo trabalhado com vários artistas. Tonota é um lugar de referência para mim e por isso é que dedico este disco à minha filha e à família que cuidou dela nos tempos longos em que eu não pude fazê-lo pessoalmente ou estar presente, por vários motivos e circunstâncias”, diz Jimmy Dludlu.

Em termos temáticos, “Tonota Into The Groove” é um fascínio. É uma proposta musical de sonoridades e melodias irrecusáveis ao ouvido e que nos resgatam um músico eternamente apaixonado pelo afrojazz, num cocktail bastante carregado de fusão.

“Cada música que toco tem uma mensagem própria. Falo, por exemplo, das mudanças climáticas (Blues for Haiti) e do amor (Falling in Love) e do perigo dos vícios (Puza Wise and Arrive Alive). Portanto, é um disco com muitas histórias para contar”, referiu o artista, acrescentando que algumas das músicas têm mensagens que não têm rigorosamente nada a ver com o título do álbum e nem com os seus 6 anteriores trabalhos.

As 15 faixas do “tonota”
01. How About The Ones In The Village

02. Shamaka's Burgs

03. Blues For Haiti

04. Gentle Rain

05. Better Days Ahead

06. F.Town Groove

07. Tonota

08. Cycle Of Sins

09. The Value Of A Woman's Life

10. Baby Found In The Park

11. Chisa nyama

12. Karingana Karingana

13. Phuza Wise

14. Tasbem

15. Master Of Bread And Sugar

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Um show na marginal de Sumbe

Neyma

Um show na marginal de Sumbe

A cantora Neyma foi uma das figuras de destaque do Festival Internacional do Sumbe, FestiSumbe, que se realizou este fim-de-semana na Marginal do Sumbe, capital de Kwanza Sul, Angola.

Segundo a “Angola Press”, a artista fez-se ao palco depois da performance da bailarina, também moçambicana, Elizangela e, em 20 minutos, cativou o público numa actuação interactiva em que esteve bem acompanhada por três bailarinos e mostrou aos angolanos o que se faz musicalmente em Moçambique.

Neyma antecedeu musicalmente o angolano Carlos Burity, que encantou o público com temas como “Tia”, “Malalanza”, incluídas no seu mais recente disco “Malalanza”.

No final, Neyma considerou a realização anual do FestiSumbe um espaço e oportunidade de troca de experiências e intercâmbio entre músicos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

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Tarde de ritmos eclécticos


Lizha james, Ary, Yola Araújo e Sweet Boys

Caiu, semana finda, o pano da primeira temporada do “Posso ser uma estrela” do “Super Tardes” da STV, mas hoje a festa continua.

Muita adrenalina é o que se viverá, numa tarde em que serão exibidos vídeos retratando os melhores momentos deste reality show.
Ao invés do estúdio 222, a festa de hoje terá lugar no Cine Gil Vicente, às 16h00. O ingresso está condicionado à compra de uma recarga de 50 meticais da vodacom, não usada, que deve ser exibida à entrada. Será um show especial de entrega de prémio ao vencedor da rubrica “Posso ser uma estrela”. Os dez finalistas estarão em grande para cantarem em dueto e individualmente. Aliás, esta é uma oportunidade para rever nomes como Lourenço Carlos, Helga Custódia, Deltino Guerreiro, Neima Lumbela, Vasta Capela, Claudete Cardoso, Maira Odaisse, Celso Notiço, Assa Matusse, entre outros, que durante semanas deram muito gás no concurso de rediscoberta de talentos.

Nesta mega-festa, cujos entre os convidados especiais pontificam nomes como Yola Araújo, Ary, Lizha james e Sweet Boys, abriu-se uma oportunidade para que os cinco concorrentes que tiveram bom desempenho, mas que por insuficiências de votos não puderam chegar à final do “Posso ser uma estrela”, possam passear a sua classe em palco. Para abrilhantarem o palco, foram também “recrutados” os melhores quatro grupos de dança, que se sagraram vencedores da rubrica “quem sabe dança...”

João Ribeiro, director Operacional da Soico, descreve esta que foi a primeira temporada nos seguintes termos: “Foi sensacional e a temporada mostrou que há pessoas com pontecial e decididas a investirem monetariamente e em tempo, uma vez que todo o processo, desde a indumentária a ensaios, esteve a cargo dos concorrentes. A STV está apenas a criar espaço e a dar oportunidade para pessoas que têm vontade de mostrar o seu talento. E como resultado, estes mostram que têm iniciativa suficiente para encontrarem apoios para puderem exibir-se em palco”, frisou.

Um “caloiro” Guerreiro

Deltino Guerreiro foi o vencedor da primeira temporada da rubrica “Posso ser uma estrela” do programa Super Tardes. Semana finda, mostrou o seu melhor perante outros nove concorrentes, o que lhe conferiu o grande prémio, a ser entregue hoje. Após o anúncio do vencedor, Deltino Guerreiro disse ser difícil encontrar palavras para descrever o que sentia, pois a satisfação era imensa: “é sempre difícil falar em momentos como este, as palavras estão esgotadas, é muita satisfação para uma só pessoa, as palavras são escassas”. Guerreiro irá receber hoje como prémio um cheque gigante com o valor de 50 mil meticais. Consta também do prémio para o lugar que conquistou a gravação e edição de um vídeo a cargo da MG Produções, como também um estúdio disponível para gravar som. Ainda neste sábado, será entregue um Nissan Micra 0 Km a pessoa que mais votou no programa.Digite aqui o resto do post

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Cântico das diferenças

Salif Keita

Salif Keita estará em Maputo. As suas músicas renascem em eco como Elsy Myrian Pantoja, assumida “Filha de Jah”, que as apresenta neste texto sobre o grande artista do Mali. Através dele podemos reinventar e refazermos nossa própria música.

Por mais de quarenta anos, Salif Keita continua a trabalhar, incansavelmente, para ourives da moderna música do Mali, empurrando muitas fronteiras musicais e, constantemente, à procura de outras formas de fazer registos. Sua música multiplica as aberturas com o mundo ao seu redor.
De acordo com seus encontros e viagens, Salif Keita nunca abandonou suas raízes e cultura mandinga. Pioneiro cantor e compositor, ele era o avant-garde para atender às suas façanhas vocais com a Band Ferroviário e Ambassadeurs, duas das maiores orquestras do Mali em 1970, antes de se tornar numa das grandes revelações da música mundial emergente, na sua estreia a solo com “Soro”, em 1987.

Após o clássico “Moffou” em 2002 e “M’Bemba” em 2005, que fechou a última década em grande estilo com “A Diferença”, a terceira parte de sua trilogia foi lançada com a Universal jazz acústico. Este disco é um dos álbuns mais empenhados e mais tocantes da sua carreira. Foi produzido em grande parte em Paris. Algumas sessões em Bamako (no seu estúdio, O Moffou) para Djoliba (sua aldeia nativa nas margens do Níger), Los Angeles e em Beirute.

Em perpétuo movimento, em vez de permanecer fixo e deleitar-se com a tradição que ele dominou com perfeição, no entanto, Keita está sempre em movimento sobre a evolução musical e tecnologias para alcançá-los. Definir com arranjos sumptuosos este novo álbum não é excepção à regra. Encontramos aqui uma equipa de músicos, caras novas e fiéis, que são totalmente do corpo em torno de Salif.

A força artística de Keita vem em grande parte porque ele tenta se renovar constantemente, tanto em suas palavras, música e canto. Sua voz permite-lhe trazer emoções reais, ele canta em malinka, bambara e francês. Ele não é sempre o melhor som possível, hesitando para misturar línguas em conjunto para encontrar uma poesia justa. Não é o menor dos paradoxos do Conselho, cujo estatuto Salif Keita de muito nobre proibiu-o de cantar e de confrontar o verbo e a técnica dos griots. Descendente do ilustre imperador Sundiata Keita, cujo império, no século XIII, estendia-se do Atlântico ao deserto do Sahara para o Golfo da Guiné, Salif Keita é mais do que nunca um símbolo do orgulho na sua africana raiz e história, mas também numa África que é projetada perfeitamente numa cada vez mais global, em busca da modernidade.

Albino Born, a mesma cor de sua pele, augura bem “claro no escuro” presságios. “Eu sou negro, minha pele é branca e gosto bem que é a diferença: eu sou branco, meu sangue é negro, eu amo ele, a diferença é bastante”. Tudo é dito sobre este hino à tolerância, no qual exprime suas convicções como artista. Além desta peça para um melhor reconhecimento dos albinos, o álbum também aborda o tema da preservação ambiental do seu país. “Ekolo Love” sensibiliza a tragédia ambiental que ocorreu em África há várias décadas na indiferença geral. Em “San Ka Na”, procura despertar a consciência de seus compatriotas sobre a protecção do rio Níger, perto da qual ele cresceu. Este é um verdadeiro grito do coração e da boca de um golpe contra a inacção da política de protecção do litoral e dos cursos de água, a espinha dorsal do Mali, actualmente muito poluído.

Cruzadas com M. de Vanessa Paradis ou Ricour Ben, Patrice Renson dá plena coerência sobre Salif, trazendo influências óbvias de eficiência pop, mas também um fluxo claro de execução. Também é encontrado na bateria, guitarra e percussão em várias faixas de “A Diferença”. Ele assina os arranjos de cordas de Samigna, Ka San Na e Ekolo de Amor, gravado em Beirute, com a ajuda do trompetista libanês Ibrahim Maalouf.

Joe Henry gravou, produziu e remixou “Papai Folon”, das mais comoventes faixas do álbum. Como Seydou, que nada mais é que uma nova versão do Seydou Bathily, um tempo padrão da Ambassadeurs du Motel, Dad carrega suas emoções com a profundidade universal, peças de outras nuances, muitas vezes graves no tema, mas onde a alegria da vida e da esperança prevalecem. Sublinhando Djeli melodia, balafon de Keletigui Diabate, um monumento da música do Mali e fiel cúmplice nos últimos quarenta anos mostra uma clareza que não poderia ser mais natural. Ela evoca os laços que unem a Salif, com que aprendeu a tocar guitarra.

Se o menor Jannick Top e violoncelo Gaffou Vincent Segal, trompete Ibrahim Maalouf em Samigna, guitarras Kante Manfila e Ousmane Kouyaté e da percussão de Mamadou Kone em San Ka Na, o baixo N’Sangue Guy na guitarra ou Djeli Seb Martel e Bill Frisell na Folon, cada músico traz aqui o melhor de si, reflecte uma cumplicidade profunda com Salif. A doçura da Seydou, a sinceridade da diferença, a profundidade da tristeza ou San Folon Ka Na compor uma plural vibração do álbum, fazem a diferença que se irradia voz de um cantor no topo de sua voz. Como Salif canta na faixa-título: “Todo o mundo tem a honra de sua felicidade, slogan de verdadeira felicidade universal.

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Cesária Évora termina a carreira.

Cesária Évora

A cabo-verdiana de 70 anos está fisicamente muito debilitada.

A cantora Cesária Évora pôs um ponto final à sua longa carreira, anunciou a sua editora, a Lusafrica. A cabo-verdiana de 70 anos está fisicamente muito debilitada.
A diva dos pés descalços Évora chegou há poucos dias a Paris para uma série de concertos e apresentações, agora cancelados.

O comunicado da editora explica que a cantora chegou a França num estado de “grande debilidade”. “Os médicos que a seguem em Paris ordenaram o cancelamento da sua próxima digressão. Cesária decidiu então, em conjunto com o seu produtor e agente, José da Silva, pôr um fim de maneira definitiva à sua carreira.”

Os problemas de saúde de Cesária Évora têm vindo a complicar-se desde 2008, quando, em Março, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) durante um concerto na Austrália.

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A mãe dos poetas moçambicanos



A segunda edição de “Sangue Negro”, livro de Noémia de Sousa, foi lançada esta semana.

Do seu posfácio fomos buscar dois textos, um de Nelson Saúte, que tem como título “A mãe dos poetas moçambicanos”, e outro de Francisco Noa, que nos ajudam a perceber a alma que existe nos textos desta poetisa.
Eu tinha 15 anos e o poema dizia: “Somos fugitivas de todos os bairros de zinco e caniço./Fugitivas das Munhuanas e dos Xipamanines,/viemos do outro lado da cidade/com nossos olhos espantados,/nossas almas trancadas,/nossos corpos submissos escancarados./De mãos ávidas e vazias,/de ancas bamboleantes lâmpadas vermelhas se acendendo,/de corações amarrados de repulsa,/descemos atraídas pelas luzes da cidade,/acenando convites aliciantes/como sinais luminosos na noite”. Passados estes anos não sei proclamar o meu espanto. Mas lembro que sobre a retina daquele rapaz que eu era, na incauta leitura de uma antologia de Orlando Mendes (Sobre Literatura Moçambicana), ficou a reverberar um nome estranho.

Quem seria essa mulher que se escondia no nome de poeta Noémia de Sousa? - interrogou-se o menino que fui. Naquele então a literatura que conhecia era sobretudo o pecúlio trazido no ombro dos guerrilheiros. Era essa a poesia que sobrava das artes de declamação experimentada nos pátios das escolas, onde fomos continuadores da revolução e exaltadores de todas as utopias - tudo o que agora está inscrito no refluxo dos nossos sonhos.

Noémia de Sousa não constava do meu bornal de amador de poetas. Tinha lido, tinha dito, lá no alto da minha inocência, versos da chamada - e aclamada - poesia de combate. Mas desconhecia em absoluto esta mulher.

As buscas começaram imediatamente. Quem era Noémia de Sousa, autora daqueles versos frenéticos, daqueles versos longos e belos, que falava de moças fugitivas dos bairros onde estavam acantonados na mais vil miséria, das Munhuanas e dos Xipamanines, do outro lado da cidade, com os olhos espantados?

Carolina Noémia Abranches de Sousa era o nome dela. Nascera a 20 de setembro de 1926, ali na Catembre, numa casa à beira do Índico, albergue que seria celebrado num dos seus poemas mais emblemáticos.

Não tardou a descobrir que esta mulher escrevera apenas durante três anos, o bastante para incendiar o rastilho da poesia que reivindicava a personalidade dos oprimidos, que fundava a literatura dos marginalizados. Tudo isto entre 1948 e 1951. Hoje, neste ano prodigioso de 2001, vemo-la aqui, em livro, na celebração dos 50 anos, sobre o silêncio. Silêncio quebrado em 1986 aquando da morte de Samora Machel, reincidência praticada anos depois, num dos textos mais belos e comoventes, que Carlos Pinto Coelho fez publicar no seu álbum de fotografias “A meu ver”.

Noémia viveu na Catembe, do outro lado da baía de Maputo, até aos seis anos, quando se mudou para a então Lourenço Marques. O pai, funcionário público, era originário de uma família luso-afro-goesa da Ilha de Moçambique. Foi ele que a ensinaria a ler aos quatro anos, movido provavelmente pelas mesmas ideias de progresso que animavam personalidades como Estácio Dias (pai de João Dias) ou os Albasini, com quem convivia. Sua mãe, nascida na Bela Vista, para lá da Catembe, era filha de um alemão (Max Bruheim), caçador e negociante, e da filha de um chefe ronga, Belenguana.

A morte do pai, ocorrida quando Noémia tinha oito anos, veio transformar as condições de vida da família, que vivia até então relativamente desafogada, vendo-se a mãe da poetisa a braços com o sustento de seis filhos, dois deles a estudar em Portugal, com a ajuda de uma tia paterna. Aos 16 anos, Noémia de Sousa teve que se empregar, mas estudava à noite na Escola Técnica, onde frequentava o curso de Comércio.

A vocação da escrita foi precoce, iniciara-se fazendo jornais de parede com os irmãos. O mano Nuno, um dia, veio confidenciar-lhe que havia um amigo - Antero, a quem dedica um dos seus poemas iniciais - que estava num grupo de outros rapazes que tinham tomado de assalto, por assim dizer, o jornal da Mocidade Portuguesa, sob a direcção do poeta Virgílio de Lemos (o mesmo que mais tarde iria editar a folha M’saho de poesia, que estava nos antípodas do que Noémia de Sousa poderia defender) e que solicitava uma colaboração sua.

Noémia escreveu o “Poema ao meu irmão negro”. Assinou-o com as iniciais: N.S. Provocou alvoroço. Quem seria N.S? A esta distância este título parece inocente, mas quem atentar para a época não terá dificuldades em sublinhar a coragem inusitada da jovem Noémia de Sousa.

Cassiano Caldas, funcionário dos CFM, ligado ao projecto Itinerário, onde colaboraram muitos dos poetas que se haveriam de consagrar no período anterior à Independência de Moçambique, deu-lhe a conhecer a revista Vértice. Foi nessa revista que leu, pela primeira vez, Nicolás Guillén, o poeta cubano do Songoro Consogoro. Leu depois muitos livros sobre a vida dos negros americanos em tradução brasileira. Entre a situação do Sul dos EUA e a situação em Moçambique daquele tempo, Noémia conseguia estabelecer similitudes.

Longe consagrava-se a Negritude, mas Noémia não a conhecia. Foi através da afirmação dos valores dos oprimidos que a poetisa se sentiu perto das ideias defendidas, na época, por pessoas como Leopold Senghor ou Aime Cesaire (de quem veio a traduzir mais tarde o famoso “Discurso sobre o colonialismo”). Mas não os lera, nem outros dos que nela pontificavam. Ela vivia distante na sua Munhuana, lendo sobretudo os escritores neo-realistas portugueses, que lhe chegaram pela mão de Cassiano Caldas.

Ao tempo que Norton de Matos foi candidato às presidenciais em Portugal, Noémia de Sousa começou a frequentar outros jovens que despontavam para as artes e letras em Moçambique: Ruy Guerra, Ricardo Rangel, entre outros.

João Mendes, irmão do escritor Orlando Mendes, era um congregador de jovens e utopias, ajudando a mapear uma nova realidade, distante da estratificação racial. Não escrevia, unia. A sua actividade, da qual resultava a junção dos rapazes da Polana, chamemos-lhe aristocrática, à Mafalala empobrecida, valeu-lhe a deportação. João Mendes é um dos homenageados pela poesia de Noémia de Sousa.

Noémia iniciou a sua colaboração com “O Brado Africano” quando se procurava terminar o projecto da Associação Africana. Entrincheirados na defesa da causa estavam: Cassiano Caldas, Henrique Dahan, Brassard, Miguel da Mata, Víctor Santos (irmão de Marcelino dos Santos), Nobre de Melo, Amália Ringler, Dolores Lopes, entre outros. Estes angariavam dinheiro para finalizar as obras da Associação. Noémia de Sousa escrevia na Página Feminina de “O Brado”. Publicava poemas.

“N’O Brado Africano” ainda ressoava o nome de um Rui de Noronha, a quem Noémia via passar em frente de sua casa. Nunca falou com ele. Também não conviveu com João Dias, outro dos nomes tutelares da nossa literatura. Contudo, a jovem não se esqueceu dos papéis que ambos desempenharam na fundação da literatura moçambicana, de que é um dos mitos fundadores.

Naquele tempo não se podia imaginar dispositivos comunicacionais como a televisão. A caixinha mágica não chegara ainda, mas frequentava-se o cinema, sobretudo as matinés, no Scala, no Gil Vicente ou no Varietá. Ouvia-se música em grafonolas. Conspirava-se. Noémia de Sousa cresceu nesse ambiente de reivindicação.

Poder-se-ia considerar assim uma nota que redigiu para “O Brado Africano”, referindo-se a um jovem moçambicano que motivava uma forte manifestação de solidariedade na África do Sul, por não lhe ter sido concedida a prorrogação do visto de residência temporária pelo Governo de Malan, o que o impediu de prosseguir os estudos na Universidade de Wittswaterand. Esse jovem chamava-se Eduardo Chivambo Mondlane. Conheceu-a depois, regressado a Moçambique, antes de embarcar para Lisboa, onde permaneceu um ano antes de rumar para os Estados Unidos da América.

Noémia, que participara nas actividades do MUD-Juvenil, que distribuíra panfletos à noite com João Mendes, que escrevera cartas subversivas, que redigira artigos cortados pela censura, que conspirara, não escapou à prisão. O cerco apertava-se. Em 1951 teve de partir, seguindo o extenuante caminho do exílio e deixando atrás de si, na PIDE, o Processo 2756 CI (2).

Mário de Andrade, quando soube que ela ansiava partir, escreveu-lhe encorajando-a. Desembarca em Lisboa quando a “geração da utopia” (no dizer de Pepetela) sondava as independências. O Centro de Estudos Africanos, do qual fez parte, funcionava na rua do Vale, 37, casa da Tia Andreza, tia de Alda do Espírito Santo, de São Tomé e Príncipe, companheira de jornada.

Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos, Lúcio Lara, Agostinho Neto, Francisco José Tenreiro eram os nomes mais conhecidos da intelectualidade africana em Portugal. Com eles Noémia de Sousa partilhou as acções que estão na base da fundação dos movimentos de libertação de cada país. Este período precisa de ser melhor cotejado, mas, tanto quanto sabemos, a participação de Noémia não foi episódica. Antes pelo contrário, foi activa.

Noémia de Sousa foi companheira de jornada destes nacionalistas. Quando a PIDE cerceou o pouco espaço que tinham de intervenção, os jovens decidiram-se por França, onde, aliás, Noémia irá buscar refúgio da ditadura, com uma filha às costas – Virgínia Soares (ou melhor, Gina). Saltou a fronteira, galgou os Pirinéus e alcançou a liberdade. Casara-se em 1962 com o poeta Gualter Soares.

Marcelino dos Santos conseguiu emprego no Consulado de Marrocos em Paris. Entretanto, Lilinho Micaia partiu para outra frente de combate, em Dar-es-Salaam. Vera Micaia (quero eu dizer: Noémia de Sousa) atardou-se por Paris até 1973, ano em que decide regressar a Portugal, para preencher uma vaga na agência Reuter. Não adivinhava que a revolução estava à porta.

No dia 25 de Junho de 1975 estava na sua casa de Algés na companhia dos legendários futebolistas Eusébio da Silva Ferreira e Hilário da Conceição e respectivas mulheres. Não fora convidada para a independência. Anos mais tarde, na mesma casa, havia de me confidenciar que tal facto a deixara magoada.

Trinta e três anos depois da partida, regressa à grande casa deitada à beira mar. Essa “casa” talvez não fosse apenas a casa da Catembe, talvez fosse Moçambique ou mesmo África. Foi um reencontro mediado por lágrimas, tremendamente emocionado. Há um poema onde ela intenta o sonho: “Um dia o sol inundará a vida e será como uma nova infância raiando para todos”. Eram os anos da bicha nos talhos pela madrugada, do carapau de Angola cozido e recozido, da farinha amarela, do repolho feito de todas as formas. Eram os anos da crise, da falta de luz, da falta de água. Foi no tempo em que o desespero se apoderava dos moçambicanos. Era o tempo em que a revolução expulsava os bastardos para o Niassa. Anos 80! Foi quando Noémia visitou a terra. A pátria.

Noémia de Sousa estava já na condição de um mito, um mito afirmado nos armoriais da literatura moçambicana. Seus poemas tinham sido adoptados para estudos nos compêndios da escola da FRELIMO na luta armada e agora eram lidos nas escolas moçambicanas. Seu legado tinha sido recuperado pelos poetas de outras pátrias como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe.

Entretanto “O Brado Africano”, “Itinerário”, “Msaho”, “Mensagem” (em Luanda), “Notícia de Bloqueio” (no Porto), “Moçambique 58”, “Vértice”, entre outras publicações moçambicanas e estrangeiras haviam-na publicado com ênfase.

Mas também Carolina Noémia Abranches de Sousa, aliás Noémia de Sousa, comparecera nas antologias: “Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa”, em 1953, veja-se a que tempos!, uma antologia organizada por dois saudosos campanheiros de jornada literária e de luta cívida: Francisco José Tenreiro (poeta são-tomense de grande quilate) e Mário Pinto de Andrade (o historiador, o intelectual, sobretudo a consciência crítica desta “geração da utopia”, para pilhar uma vez mais a expressão do Pepetela).

Cinco anos depois da edição deste caderno, que era singularmente dedicado ao poeta cubano de Songoro Consogo, que vivia exilado em Paris, longe da sua La Habana, onde ainda sobrevivia Fulgêncio Batista, que rapidamente seria expulso por Fidel Castro, “Che” Guevara e outros guerrilheiros que desceram da Sierra Maestra - Nicolás Guillén -, viria a lume “Poesia Negra de Expressão Portuguesa”, desta feita editada em Paris, para onde fugira exilado o seu organizador - Mário Pinto de Andrade.

Na altura, Mário de Andrade montara banca na “Presence Africaine”, importante publicação no contexto da afirmação dos valores dos povos mudos da História. Ano depois, em 1959, a Casa dos Estudantes do Império (CEI), que tinha uma actividade editorial significativa, responsável pela revelação de grandes nomes da literatura africana de língua portuguesa - José Craveirinha lá se havia de estrear em livro com “Xigubo” em 1964 - faz editar a antologia “Poesia em Moçambique” (separata da Mensagem), onde Noémia de Sousa não é ignorada.

A mesma CEI editará em 1960 e 1962 duas antologias intituladas “Poesia de Moçambique”, ambas prefaciadas por Alfredo Margarido, que estão na origem de uma polémica, uma das mais interessantes da época, desencadeadas por Eugénio Lisboa, que praticava já um juízo crítico cáustico e cauterizante.

Noémia de Sousa era já um nome afirmado a despeito do facto de ser inédita em livro próprio. Lida e seguida não só em Moçambique, mas em outros países onde uma visão da literatura, como instrumento de confrontação ideológica, tinha lugar.

Outras antologias importantes que recolhem os seus poemas: “Antologia Temática da Poesia Africana - Na noite grávida de punhais”, organizada também por Mário Pinto de Andrade. Dez anos depois, em 1985, Manuel Ferreira acolheu-a em “No reino de Caliban III”, antologia dedicada à poesia de Moçambique. Aliás, convirá dizer, como testemunho para o futuro, que Manuel Ferreira foi dos primeiros a tentar publicar Noémia de Sousa em livro. A poetisa, aversa à publicação, alegou que queria que seus poemas fossem, antes de tudo, primordialmente editados em Moçambique, onde é estudada nas escolas, lida através de textos avulsos que circulam, de mão em mão, fotocopiados, policopiados. A supra-citada antologia de Orlando Mendes refere-a na “Antologia da Nova Poesia Moçambicana”, que eu havia de co-organizar com Fátima Mendonça, editada pela AEMO em 1993, coligimos os versos a Samora Machel, feitos a pedido do sobrinho Camilo de Sousa, para um documentário sobre o Presidente.

Há 15 anos precisamente, quando Noémia completava 60 anos, escrevi “Carta a Noémia de Sousa”. O texto é incipiente mas foi recolhido num dos manuais escolares do nosso ensino secundário. Foi lido na Rádio Moçambique no dia 20 de setembro de 1986. Mandei-o à Gazeta de Artes e Letras da revista Tempo. O coordenador, meu amigo Gilberto Matusse, esqueceu-o na gaveta. Contudo, um ano depois, havia de publicá-lo.

A primeira vez que aterro em Lisboa, cometo a ousadia de telefonar para Noémia. Levava comigo o seu número de telefone, dado pela Fátima Mendonça. Começa tudo aí, nesse encontro em Algés, festejando a nossa independência – era Junho! -, comendo feijoada e lendo Carlos Drummond de Andrade. Nos anos que em Portugal, errei como estudante, fui visita constante de Noémia de Sousa. Hoje, quando lá vou, não posso regressar sem a ver.

Em todos estes anos insisti, como o fizeram muitos, na edição dos seus poemas. Noémia arranjou todos os subterfúgios, mas há alguns anos, depois de ter recusado convites de Manuel Ferreira, Michel Laban, entre outros, ela acedeu publicá-los.

Houve diversas iniciativas para o fazer através da Associação dos Escritores Moçambicanos, a que estiveram ligados primeiro Rui Nogar e Calane da Silva, depois Leite de Vasconcelos com Fátima Mendonça e Júlio Navarro.

Não se concretizaram estas iniciativas (tratava-se, sobretudo, de fixar o texto definitivo e obter assentimento da poeta em publicar), mas Noémia reconheceu, finalmente, que a sua modéstia não deveria constituir impedimento para a publicação do livro – o que para muitos permanecia inexplicável – e confiou-me a grata tarefa de organizar a edição do mesmo.

Na altura, Rui Knopfli – foi Noémia de Sousa quem mo apresentou, em 1989, tantas vezes confidenciei a minha admiração por ele! – ficou encarregado do prefáciou-se definitivamente deste reino sem ter escrito o texto.

Cinquenta anos depois do abandono da escrita, temos o beneplácito dos deuses e este “Sangue Negro” é finalmente editado. Noémia de Sousa não o releu, nem o corrigiu, tendo concordado que os poemas permaneceriam na versão (original) policopiada, que se encontra depositada no Arquivo Histórico de Moçambique, devendo apenas ser actualizada a respectiva ortografia.

As razões que explicam o facto de eu ser quem redige estas notas iniciais são as mesmas que explicam o facto de Fátima Mendonça ser a autora do ensaio que enquadra histórica e literariamente a poetisa e, Francisco Noa discorrer sobre alguns aspectos desta poesia. Todos nós temos uma relação de superior admiração e grande amizade e afecto com Noémia de Sousa e pertencemos ao parco clube dos que a visitam incansavelmente e nunca desistiram de insistir na edição de sua obra.

Este livro transcende a condição de uma recolha de poemas. É, antes de tudo, um testemunho da nossa História.

Neste volume ecoa uma voz, uma bela voz. Sobre esta voz ressoam outras vozes. Foi desta voz que se incendiaram outras tantas vozes. Talvez por isso qualquer apresentação seja incompetente.

Costumo dizer que Noémia de Sousa faz parte dos meus antepassados literários. Digo-o com inescondível afecto. Não há, não pode haver, um privilégio maior do que amar esta mulher a quem hoje (re) apresento e de quem tenho o privilégio de chamar “Mãe”. Não só porque ela é, como diz a lenda, a Mãe dos poetas moçambicanos, mas porque entre nós há muito que o afecto e a amizade perderam fronteiras e fundaram verdadeiros laços de família. O que permanece, estou certo, é o espanto sempre que a releio. Regresso incauto ao menino de 15 anos que, suponho, nunca deixarei de o ser.

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"Sangue Negro” de Noémia


Na data em que a poetisa completaria 85 anos, 20 de Setembro de 2011, a Marimbique reeditou “Sangue Negro” de Noémia de Sousa e proporciona-nos uma leve caminhada pelos corredores do tempo, ou melhor, da história, da revolta e da emoção.

“Nossa voz ergue-se consciente e bárbara/ Sobre o branco egoísmo dos homens/ Sobre a indiferença assassina de todos”. Noémia de Sousa não poderia ter um interessante poema para dedicar a José Craveirinha, seu velho companheiro dos pequeniques que traçavam as linhas nacionalistas na última metade da década de 1950.

O poema “Nossa Voz”, que abre o livro “Sangue Negro”, lançado ontem em Maputo, na sua segunda edição – desta vez pela Marimbique – prepara-nos para um regresso à história, mas sem abandonar as fundamentais e humanas bases de actualidade que sempre compuseram Noémia de Sousa. Nelson Saúte, que assina o prefácio do livro, nunca escondeu esse profundo sentimento pela senhora que uma vez inspirada pelo spiritual ongs dos negros da América brandaria em versos “deixem passar meu povo”... Escrevíamos que Nelson Saúte nos prepara para esse regresso ao tempo que de que falávamos. Primeiro, ele assume-o ao postar a começar um conselho de José Craveirinha.

“Nelson: procura ser um fiel servo da memória de todos os tempos para que a tua voz se faça ouvir no teu tempo. E escuta com atenção o que te dizem as vozes de outras bocas, de outros mensageiros e as melodias de outras xipendonas. Então sentirás sobre os ombros o peso – o verdadeiro peso – de um genuíno legado, o legado do teu amanhã em que dirás com toda a humildade: ‘Sou um homem de ontem mas não me neguem um lugar de repouso nos céus do vosso Hoje.’”

Um outro escritor, José saramago, segundo Saúte, o teria dito uma vez que ele – Saúte – estaria a “conviver com os seus antepassados literários”. São esses antepassados que os resgataria para “Os Habitantes da Memória”.

O seu prefácio em “Sangue Negro” de Noémia faz-nos reviver esses diferentes tempos. chama-nos atenção para esse passado que teima em habitar com legitimidade no nosso presente, através dos poemas que nos remetem à história, alertando-nos para as mesmas lutas hoje.

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