Eliot Alex, um dos membros da organização, fala-nos sobre perspectivas futuras nestes excertos da entrevista à nós concedida, onde, sublinhando a satisfação generalizada por tudo ter corrido conforme. Mas, vamos à entrevista.
- Que ganhos ficaram entre nós com a realização deste evento?
- Primeiro, o mundo ficou a descobrir um grande festival de dança contemporânea em África, sobretudo a nível da África Austral. Os festivais de dança contemporânea do continente africano acontecem somente na África do Sul e no Senegal, para além dos festivais da Europa. Mas agora já temos mais uma referência em Moçambique, que é o “Kinani”. E todas as companhias de África e da Europa passaram a contar com esta plataforma de dança contemporânea.
- O que concorreu para a mediatização do “Kinani”?
- Nós iniciamos o trabalho muito cedo. Em Fevereiro começamos a fazer os preparativos e lançamos um programa de acções sobre o que nós pretendíamos. Elaboramos também uma página web para inscrições e cerca de 80 companhias e bailarinos a solo se inscreveram para esta plataforma. E a comissão artística composta por moçambicanos entendidos na matéria de dança, teve a função de júri, tendo feito a pré-selecção e a selecção dos que iriam participar no evento. E no acto da inscrição pedíamos também um vídeo e outros detalhes inerentes, o que facilitou o nosso trabalho e permitiu uma consulta mais ampla sobre o que era a nossa plataforma. E isso ajudou na divulgação do evento.
- Qual é a diferença entre a esta plataforma e a que exibia o Centro Cultural Franco-Moçambicano?
- Isso corresponde ao segundo ganho, pois nós nos apropriamos de um evento que era organizado até então pelo Centro Cultural Franco-Moçambicano e que apesar de actuar em Moçambique ele tem todo o suporte da França e actuava mais como uma instituição francesa. Agora, esta plataforma foi produzida e organizada por uma equipa essencialmente moçambicana e, sobretudo, composta por jovens que viram o assumir de um desafio. Claro que tivemos o apoio de organizações estrangeiras, embaixadas e agências de cooperação internacionais. Por outro lado, nas duas primeiras edições as plataformas de dança contemporânea não tinham nenhuma denominação e agora já tem um: “Kinani” que significa “Dancem”, em língua ronga.
- Esta é uma das variáveis que suporta a intenção de continuarem a trabalhar.
- Sim, se bem que também tivemos um terceiro ganho que foi a formação do público.
- Como assim?
- Nas edições anteriores notamos que era muito pouca a participação do público e ela resumia-se à presença dos interessados no evento que eram bailarinos, corpo técnico e, no máximo, familiares e alguns amantes de dança. Agora apostamos na formação do público, divulgando o próprio evento. Por outro lado, pegamos em alguns bailarinos, coreógrafos e técnicos e fomos dar palestras nas escolas. Baseamo-nos fundamentalmente nas escolas secundárias Francisco Manyanga e Josina Machel e trabalhamos com cerca de 500 estudantes. Eles faziam perguntas sobre, por exemplo, o que é e como que se faz a dança contemporânea, quais são os métodos de pesquisa. E para além das repostas que dávamos fazíamos pequenas frases, o que despertava interesse e motivação.
- Uma aposta também para o futuro…
- É. E estes estudantes vieram assistir os espectáculos e para isso fizemos 500 crachas para eles, pois alguns estiveram envolvidos em alguns sectores de apoio.
- Que mensagem vocês deixaram?
- A ideia é tentarmos tirar a concepção de que a dança contemporânea não é algo que vem de fora. Pela qualidade que os artistas moçambicanos imprimiram, a par dos outros participantes, ficou a ideia de que é possível expandirmos o conceito de dança contemporânea no nosso país. Em 2007 houve uma conferência na África do Sul sobre dança contemporânea africana e o fundamento de tudo foi que esta dança provém das raízes africanas, das danças tradicionais. Descobrimos que os movimentos corporais aplicados eram meramente tradicionais e que passavam para a dimensão contemporânea tornando-os mais visíveis. E nesta plataforma ficou assente que é possível fazermos dança contemporânea moçambicana e ficamos surpreendidos até com a performance e superação de alguns artistas nossos, o que também surpreendeu os coreógrafos estrangeiros.
- Quantos artistas participaram?
- Foram cerca de 100 artistas, entre coreógrafos, bailarinos e pessoal técnico.
- Certamente que há aspectos a melhorar, quais são?
- Há que melhorar sobretudo as condições técnicas e de produção. Para nós como Iodine Produções esta foi a nossa primeira intervenção porque as duas anteriores plataformas estiveram sob produção e organização do Centro Cultural Franco-Moçambicano. Nós não vemos as questões de produção em si, mas também das salas de espectáculos. Pensávamos que o Cine-Scala estava preparado para receber um espectáculo descobriu-se que não era possível, pois tem sérios problemas de electricidade. As salas estão envelhecidas e os equipamentos que nós temos são de alta tecnologia que às vezes estes espaços não os suportam. Temos aparelhos como dimer’s (uma espécie de misturadores), que são melhores que se podem encontrar, e no primeiro dia queimaram dois no Scala e no Cine-África.
- Que descalabro são as nossas salas?
- E o mais grave é que nós não temos as condições que os artistas habituados a montar e ou a trabalhar em grandes plataformas mundiais nos exigem. Se tens problemas básicos como a oscilação de luz numa sala, então é difícil teres nesse espaço artistas de grande nível mundial, por isso temos que apostar no melhoramento das nossas salas de espectáculos. Penso que uma das reflexões que devemos fazer é em relação às nossas salas de espectáculos porque elas não nos dignificam. Actualmente as melhores condições técnicas estão no Centro Cultural Franco-Moçambicano, que é um espaço muito bem equipado e onde qualquer grupo que fizer uma apresentação sai de lá satisfeito. Noutras salas só no primeiro de apresentações queimaram seis projectores, o que trouxe limitações na actuação dos grupos porque viram-se a ter que trabalhar com condições abaixo do seu nível. Há salas também que não têm condições de absorver luz em grande intensidade e quando é assim os quadros disparam danificando os equipamentos. Isso é triste.
- Que desafios se vos apresentam daqui em diante?
- A forma como esta plataforma decorreu nos deixou muito motivados, por temos muitas coisas planificadas. E já no próximo ano vamos começar a trabalhar para a edição de 2011, expandindo-nos para as províncias, uma vez que não queremos somente ficar na cidade de Maputo.
- Para onde vão?
- Numa primeira fase trabalharemos nas cidades de Chimoio (Manica), Beira (Sofala) e Quelimane (Zambézia). Temos coreógrafos com capacidade para trabalhar em diferentes ambientes e queremos ver se podemos enviá-los em regime de comissões para as províncias e fazerem formações lá.
- Até que ponto isso será sustentável?
- A ideia é antes da grande plataforma internacional nós termos uma realizar interna antes da grande plataforma internacional para vermos se podemos ter um a dois grupos do nosso país nesta festa.
- Então, é um “Kinani” interno. Só para grupos nacionais?
- Os nossos coreógrafos vão fazer formação em dança contemporânea nesses pontos do país e depois levaremos os grupos escolhidos para um festival de dança que poderá acontecer, em princípio, na cidade da Beira, por ser o centro do país e também pelas facilidades existentes em deslocar os grupos. E esses grupos juntos farão uma exibição donde serão escolhidos os representantes do nosso país. Mas estas realizações continuarão dependentes dos financiamentos que conseguiremos, porém, a aposta é essa.
- Uma das vantagens deste tipo de encontros é o intercâmbio entre os artistas envolvidos na acção. O que se conseguiu?
- Nós fizemos algo que funcionou muito bem, pois organizamos o que se chama “Festival Paralelo” que eram acções que decorriam no decurso do festival. Estas actividades decorriam nas instalações do Museu Nacional de Arte e juntava todos os artistas participantes no “Kinani”. E para além de as refeições serem passadas no mesmo local e à mesma hora entre todos nós, no local, que se chamava ponto de encontro, tínhamos uma banda de música a tocar, um grupo de dança tradicional e ainda um DJ. O público juntava-se também a nós, comprando bilhetes e assim nascia o intercâmbio entre os artistas estrangeiros entre si, entre eles e os moçambicanos e também, na última instância, entre todos os artistas, a organização e o público. E, diferentemente do que aconteceu nos encontros anteriores, onde os artistas estrangeiros chegavam e ficavam entre três a quatro dias, que eram os dias suficientes para a chegada, ensaio do palco, actuação e um dia de descanso e depois regressavam, nós juntamos todos os artistas no mesmo hotel e decidimos que deviam ficar até ao fim do evento, o que fez com que os artistas assistissem peças uns dos outros, permitindo aflorar o diálogo e ampliando os seus próprios horizontes artísticos.
- As oficinas que tiveram lugar constituíram também uma mais-valia e serviram de suporte da própria plataforma.
- É verdade. Por exemplo, houve exposições de fotografia, até hoje patentes no Centro Cultural Franco-Moçambicano e tínhamos música ao vivo com vários grupos musicais. Fizemos igualmente workshop’s de iluminação, onde conseguimos trazer nove técnicos de iluminação de vários países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), sendo quatro da África do Sul e os restantes da Ilha Reunião, Madagáscar e moçambicanos, que foram orientados por um técnico suíço. Durante o workshop eles foram conhecer as salas de espectáculos, trabalharam sobre elas, observando as condições técnicas. E quando iniciou a plataforma eles é que fizeram a operação técnica dos 32 espectáculos ao longo do festival. Posteriormente fizemos um workshop de dança contemporânea, orientado por Vera Santos, que é uma coreógrafa portuguesa e ainda uma formação dos jornalistas culturais, que esteve sob direcção de Adrien Sichel, jornalista do jornal sul-africano The Star. Adrien é também crítica de arte. Foram muitas coisas que aconteceram e que nos ajudaram a alcançar aquilo que eram os nossos objectivos.
- E também ganharam dinheiro…
- Nós ficamos surpreendidos com o comportamento do público, pois ele correspondeu, talvez por termos feito uma grande divulgação do evento. Durante a semana as salas estavam acima da metade, mas aos fins-de-semana tínhamos salas cheias. Há espectáculos que aconteciam nos finais de semana às 16, 18 e até 20 ou 21 horas, mas o público lá estava, comprando ingressos, o que nos surpreendeu positivamente. É por isso que dizemos que o balanço é positivo.