Magid Mussá uma das estrelas carismáticas da música moçambicana na década noventa anda aparentemente sumido dos palcos. Dono de uma grande voz, autor de grandes sucessos como “Sikhetana” e “Ihone Uwé” anda na estrada da música há 30 anos e está a caminho de celebrar 50 anos já no dia 22 de Janeiro. O “Notícias” entrevistou-o semana passada para falar da sua carreira cuja parte permanece desconhecida por parte da nova geração. Magi Mussá que atravessa alguns momentos difíceis, nessa entrevista refere que se tivesse disponibilidade financeira gostaria de celebrar os 50 anos com um concerto onde estivessem todos: familiares, amigos e fãs. Segue parte significativa da conversa.
Como entra para música?
- A música vem já da família. Os meus avos eram timbileiros e zore. Mas a minha inspiração vem da imitação de músicos em voga na época do Kénia, RDCongo e mais tarde de vozes como de caso de Roberto Carlos, Percy Sleidg, Otis Reding e por ai fora.
Isso na década sessenta até por volta de 1974, onde ai comecei a tocar já a sério. Isso na cidade de Inhambane, minha terra natal. Era uma altura em que militavam vários artistas da época, caso de Feola, Djaco Maria, Maciele, Alipio Cruz "Otis". Todos esses viviam na mesma zona, em Santarém e Liberdade. Foi nessa altura em que fabriquei a minha primeira viola de lata de azeite Oliveira. É nessa viola que criei o temas “Ana” mais tarde, interpretada e gravada pelo grande músico Djacko Maria, uma música que fez bastante furor na altura.
Na véspera da independência, tive o privilegio de participar num festival de música Pop em Inhambane. Nele concorriam sete grupos e eu conquistei o primeiro lugar. E como premiação, eu “ascendi” a uma categoria de poder actuar acompanhado de uma banda num “bayle”. Nessa altura tocar num “Bayle” era sinónimo de prestigio e consideração . Isso representava ainda ganhar uma certa visibilidade pública e conquistar um certo “status” social. Zainadine, que hoje é um empresário da área de construção civil- o Abranches ( já falecido).
- E quando é que entra para a música propriamente dita?
- Entro quando gravo meu primeiro tema na Rádio Moçambique, o álbum “Sikhetana” traduzido por “meninos deixem de ser levianos” em 1979. Eu ainda era estudante da Escola Agraria da Namaacha. Dai passei a desenvolver a música Moçambique enquanto exercia a minha profissão de professor, primeiro na Moamba, Chókwé e em Machulane, distrito de Manjacaze. Nessa altura era período de guerra. Muitos professores recusavam ir para essas zonas assoladas e perigo.
A dado momento, da sua carreira, você sumiu dos palcos. A que se deve?
- Houve duas situações que imperaram para o meu sumiço. Primeiro, tive problemas sociais: divorcio. E seguiu-se a uma “queda”, quando fui parar de baixa no Hospital Central de Maputo. Isso terá contribuído para a minha redução e constância dos palcos.
Há bocas, inclusive de teus fãs que dizem ver-te com excessiva frequência nas barracas a “bateres um copo”, não será também um outro motivo que o leva a desaparecer dos palcos?
- Olha senhor jornalista, perceba muito bem: o que tem acontecido nestes tempos é a inveja. Há uma espécie de facção que não me quer bem. Quando me vê apontam-me o dedo e dizem “aquele manhembana está a subir”. E na hora dos espectáculos essas pessoas influenciam os realizadores e produtores de concertos para não me incluírem. Isso dói! Afecta-me. Quanto a história de barracas que falas, isso é difamação. Não sei se isso constitui a verdade! Eu não sou uma pessoa que ande de barraca em barraca. E quando estou lá estou normalmente com pessoas do meu nível. Até porque hoje as barracas viraram centros comerciais. Tudo se adquire na barraca: a partir de um simples fósforo até aos mais varridos produtos. Mas por outro lado, quando frequento essas barracas, como músico vou a busca de inspiração.
Que espera do novo “staff” da “Associação dos músicos”?
- O novo secretário-geral dos músicos Domingos Macamo é um bom trabalhador. Tenho fé que ele irá corresponder com todas as expectativas dos músicos. Mas para que ele viabilize o seu projecto irá precisar, seguramente do apoio de todos nós- os músicos.
A UEM introduziu um curso de música. Que “revolução” se espera nesse campo?
- Olha não sei qual é o currículo que está a ser implementado nesse curso, por isso terei dificuldades em comentar com propriedade. A formação ciência é bem vinda. No final do curso as pessoas serão dotadas de conhecimentos científicos e deixarão de tocar empiricamente. Isso é positivo. Mas a formação só em si não é tudo. Para mim, para além da formação há coisas que imperam: a atitude. A atitude conta muito. Sabe, é como você aprender Matemática para ser um bom engenheiro...mas depende da sua orientação e saber de como se posicionará perante o trabalho.
Como vê o trabalho das editoras?
- Algumas editoras precisam de ser editoras no sentido puro da palavra. Elas não tem uma política editorial do seu trabalho. Tem dificuldades sobre os materiais que devem editar. Muitos dos que trabalham directamente com os materiais musicais, paradoxalmente, não percebem patavina de música. Nunca estudaram música, não tem noção sobre a música. Resultado: você entra numa dessas discográficas e alguém te diz, “olha não é isso que as pessoas querem. Se deseja editar aqui então vira para o pandza”! E eu pergunto, será que todo o povo moçambicano quer ouvir só o pandza?
Como avalia a nossa música no geral?
- Está a progredir. Felizmente, alguns cantores jovens já começam a aparecer com algumas mensagens educativas. Paulatinamente os conteúdos tem melhorado.
As vozes femininas da vossa geração mostram tendências de sumiço. Será impressão?
- Elas estão ai a trabalhar. Elas estão a espera que os realizadores e produtores de espectáculos lhes ponham no seu devido lugar: no palco. Elas não se esqueceram de cantar. Nalgumas vezes cantam em casas de pasto como eu. E depois as más-línguas vão apontar o dedo e dizer que vimos, por exemplo a Helena Nhantumbo, a Elvira Viegas ou a Elsa Mangue a cantar nas barracas...Essas cantoras existem e os empresários sabem onde localizá-las. É só convidá-las. É preciso quebrar essa coisas de se ver actuar as mesmas pessoas. O povo também quer alternativas e diversidade.
Nestes anos da sua carreira tem algum episódio que lhe marcou particularmente
- Há um que ficou indelevelmente marcado. O episódio que vou contar é muito marcante. Trata-se do dia em que perdi um dos dedos da minha mão direita em 1984 venho a Maputo de férias. Nessa altura um dinamizador da cultura do Partido Frelimo que já me conhecia como músico-estudante convidou-me a ir actuar em Inhambane. Estavam igualmente convidados o grupo de Makwaela dos TPM. Íamos fazer uma digressão pelos distritos. Era período de guerra. Nessa altura de guerra em Inhambane estava lá o famoso comandante Domingos Fondo. Eu aceitei a proposta. Eu levei a minha banda “Som 75”.. São que os componentes da banda exigiam ir de avião. Tinham medo de viajar via terrestre. Tínhamos que viajar pelos autocarros da ROMOS. Em Inhambane cumprimos durante duas semanas com a nossa agenda que tinha como objectivos angariar fundos para apoiar os deslocados de guerra. A nossa viagem de regresso é que foi um desastre. Na altura os “matsangaissas” tinham atacado o autocarro em que seguíamos.
Conte-me com algum detalhe...
- Ora tudo aconteceu no dia 19 de Janeiro. Despedi-me da minha mãe. Mas algo me dizia que eu não devia partir. Tive um pressentimento de que algo iria ocorrer. Mas eu tinha que viajar porque iria comemorar o meu aniversário natalício no dia 22.
Na manha desse dia 19 de Janeiro, partimos a partir do Hotel Palmeiras da Maxixe. O machimbombo da ROMOS era novo. A bordo seguiam também os artistas de Makwaela dos TPM e outros passageiros. Inclusive nessa viagem seguia também o editor do vosso jornal Jaime Cuambe, por sinal ele foi o último a embarcar, ele trazia nas mão o seu gravador, creio que vinha de uma cobertura jornalística algures.
Durante a viagem de regresso a Maputo eu embalo-me de sono. A 40 km de Inhambane, na zona de Cumbana. E só desperto aos sons de um tiroteio. Deviam ser 8:00 horas da manhã. O disparo fez com que o autocarro perdesse o comando e tivesse capotado, tendo ficado “deitado” do lado das portas... foi uma chatice! Ai é que foi uma carnificina. O autocarro embora tombado, recebia uma chuvada de balas, vindas por todos os sentidos. Mesmo assim, alguns passageiros pulavam milagrosamente das janelas. Foi nessa altura que eu apanhei uma bala que me decepou o dedo “mínimo” da mão direita. Muitos que tentavam saltar eram apanhados nas matas...enfim. Sabe, eu não sei até hoje como é que escapei daquele machimbombo. Minutos após eu abandonar o carro, vi a distância, uma fumaça: autocarro estava em chamas. E os corpos carbonizados...
E qual foi o rescaldo?
- Morreram seis artistas dos 11 grupo de Makwaela dos TPM. No total, segundo mais tarde os jornais reportaram falaram de 27 mortos. Mas eu pessoalmente, acredito que esse número está aquém do real. Naquele dia morreu-se! Veja que até as vítimas foram enterradas no local. Hoje, quem passa do local pode ver essa campa. Esse foi na verdade o que me marcou neste anos de músico.
E dos bons momentos?
- São muitos. Mas vou destacar a gravação do meu primeiro disco. Houve também um momento alto: quando ganhei em 1992 o prémio Masseve da TVM.
Como gostaria que fosse a celebraçao do seu aniversário de 50 anos?
- Olha, estou em “baixo” financeiramente. Estou a precisar de uma ajuda para concretizar um desejo: reunir amigos, familiares e fãs para juntos cantarmos “parabéns” . Gostaria por, exemplo de ter um festival na celebração do meu aniversário. Onde os meus amigos actuassem..
Projectos para 2009?
- Estou a trabalhar para dois CDs que devem sair este ano. Vou continuar a tocar nas casas de pasto para a minha sobrevivência. Estou a trabalhar com uma banda “The Friends” liderada por Sara Aly, por sinal ela é a fundadora desta banda que conta entre outros nomes o do teclista valy Camal
Fonte: Maputo, Janeiro de 2009:: Notícias