segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Paulo Flores e Eduardo Paim mexem com o público

Luanda "dá" o coração e rende-se à voz de Paulo Flores


Diz um velho adágio que quem espera sempre alcança, independentemente da coragem, determinação e do sacrifício em prol de uma causa nobre, mas, para o músico angolano Paulo Flores, a noite de sexta-feira terá sido mais do que um mero momento de oralidade e dito popular. O compositor, cuja voz simboliza a imagem de um povo de fé, sofredor e criativo, foi sublime, nesta histórica data reservada ao "show" de aniversário dos seus 20 anos de carreira, protagonizando um feito inusitado que pode marcar, futuramente, o virar da página no tocante à aceitação e valorização dos artistas nacionais.


Desde 1988, o "poeta do semba" mostrou que esperar é uma das suas principais virtudes. Afinal, foram duas décadas de sucesso, trabalho e espírito de entrega, que queria ver coroados e reconhecidos pública e institucionalmente.

Ciente da responsabilidade de dar um passo raro, Paulo prometeu, experimentou, sofreu e cumpriu o objectivo, numa sentimental noite de festa musical, onde mais de 21 mil espectadores "abriram" o peito, ofereceram o coração e fizeram dele um ícone que dissipou dúvidas em relação a sua popularidade e abrangência cultural.

Estrela mais cintilante de um espectáculo há muito esperado, o autor viu-se iluminado pelo céu e pelos homens, na noite fria de sexta-feira, na qual esteve perto de igualar o record de assistência do Estádio dos Coqueiros, cifrado em 30 mil espectadores, número "arrastado" em 1985 pela banda antilhana Kassav.

Diante de um público que mostrou fidelidade, ao suportar por largo período uma lenta e quase interminável fila, a aproximadamente mil metros da porta de entrada, o versátil compositor fez história e pintou com letras douradas um show de coroação, marcado pelo reencontro, em palco, entre dois dos principais difusores do ritmo kizomba.

A festa do satírico "poeta do povo" começou cedo, ainda na parte exterior do estádio, onde, a poucos momentos da primeira entrada do autor de "Sassassa", mais de sete mil fãs faziam contas à vida, de tão grande a ansiedade.
Alguns chegaram a desistir. Outros cederam os ingressos. Mas, os mais comprometidos com o músico, chegaram à "meta".

O espectáculo iniciou-se em alta, como se esperava, com o tema "Meu Segredo", quando eram precisamente 21:30, uma hora e meia depois do previsto.
Nesta altura, o estádio já está colorido e o verde da relva vai sendo tomado por mais de 14 mil fãs, enquanto as bancadas "chamam" pelos derradeiros ocupantes ainda na parte exterior.
O público se agita, mostra disposição, acarinha o compatriota e diz "estamos aqui". Do palco, o artista retribuiu, encontra-se com os admiradores e faz ecoar sala adentro o tema "Reencontro", lembrando a saudade da terra mãe na altura de emigrante.

Os dois temas a seguir surgem com andamento melódico mais ritmado. Paulo interpreta, já emocionado, "Ngulupe" e "Canta Meu Semba", antes de diminuir a velocidade rítmica e cantar "Nguxi", tema com o qual chamou a primeira convidada da noite: Patrícia Faria.

A ex-integrante das Gingas do Maculusso sobe ao palco com a mesma energia, usando do improviso para testar se continua na boca do povo, em curto dueto com o "dono legítimo" da plateia.
Em poucos segundos, orienta a banda e canta "Caroço Quente", antes de voltar ao dueto com o anfitrião em "Papá Wa Jimbidile".
A participação dela é curta. Mas dá para agitar a multidão com o seu "grito de guerra" (Paty, Paty, Paty, Faria). Nesta altura, Paulo quer "agarrar" os fãs, manter o ritmo e aumentar a empatia entre palco e plateia.

Procura o melhor tema, espevita a banda de serviço e até foge ligeiramente do guião inicial que previa, nesta altura, a canção "Sassassa".
O segundo bloco é preenchido com "Serenata Angola", "Poema do Semba", em dueto com outro convidado da noite, Nanuto (no saxofone), com quem ainda relembra um tema zouk antilhano dançado no país na época do recolher obrigatório.
Ao som dessa música, entra, de mansinho, Yuri da Cunha, a terceira atracção da noite.

O show começa a esquentar, as palmas aumentam, o ex-integrante do projecto "Pió Pió", da Rádio Nacional, lança elogios a Paulo. Abre a actuação com melódica pausada, ao som de "Tá Doer", acompanhado por vários espectadores.
Ele brinca com a plateia, canta, dança (…), enquanto o guitarrista guineense Manecas Costa solta o solo.

Nesse momento o público esfriara um pouco, mas Yuri, no seu jeito característico, chama o anfitrião e, numa sentada, reaviva o alento da plateia, interpretando "7 Vincos", "A Mulher Tem Muito Jeito", "Mocinha", todas do falecido músico Man-Re.
Com ele a festa anima, quer pela força do canto, quer pela dança, dando o colorido desejado.
Antes de sair, o jovem artista e Paulo Flores soltam uma rapsódia, com "Mocinha", dos Makambas e "Ramiro", de Jivago, mesclando voz com números de dança (kuduro, semba e ndombolo), que criam ambiente para um momento de surpresa.

O anfitrião chama para o palco um dos filhos (menor), e este mostra o seu talento na percussão.
O período a seguir é um dos mais notórios do dia. Yuri sai, deixando Paulo ao som de um dos seus mais abrangentes temas de sucesso, "O Povo", com o qual chama o quarto convidado, agora muito especial. É Eduardo Paim, seu mestre e instrutor desde o começo da carreira nos anos 80.
Era chegada a hora do reencontro.
Os dois matam saudades, primeiro com "Processos da Banda". O público parece não mais lembrar-se da letra. Depois sai "Som da Banda", de Ruca Van-Dunem e Ricardo Abreu.
Paim puxa pelos fãs e esses começam a espevitar-se. Nesse ambiente, interpreta "São Saudades", para logo a seguir levantar relva com a música "Pr’a Nguenda".

O artista tenta deixar o palco, mas o público, que há dez anos não o vê actuar, pede em coro o seu regresso. E ele volta, recua no tempo e relembra momentos altos do kizomba da década de 90.
Paim quer sair, mas Paulo, rendido ao "perfume" do mestre, não deixa. Com ele canta "A Minha Vizinha", entoado em coro por mais de 21 pessoas.

O anfitrião entra no clima e aproveita-se desse momento para levar a plateia à loucura com "Cherry", seguido de "Garina", enquanto o instrutor recorda os velhos tempos na viola baixo. Paulo canta "Marika", emocionado, mas quase já não cumpre o guião.

Agora é Paim quem manda (...) no show, e volta a agitar a multidão com "Rosa Baila".
Estava feita a história do espectáculo, que assinalou ainda a actuação de Manecas Costa, com o tema "Nelson Mandela", seguido de Paulo, com o sucesso "JP", dedicado aos vizinhos de prédio na Avenida Comandante Valódia, que fazem-se presentes de forma ruidosa, com cartazes e uma claque especial.

Sara Tavares, de Cabo Verde, foi a última convidada. Ela manteve o ritmo e a empatia do amigo angolano, animando o público com "Balancê", "One Love" e "Riqueza e Valor", em dueto com o poeta do semba, que encerrou em alta a festa dos 20 anos de carreira, às 0:50, com os esperados temas "Inocente" e "Bota Bota".

"Obrigado por terem vindo. Não contava com tanta gente", agradece emocionado.
Angop Por Elias Tumba 06-07-2008

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