segunda-feira, 29 de junho de 2009

“A melhor música moçambicana vem do Norte e Centro do país” - Diz Jose Guimaraes.

José Guimarães não tem dúvidas

Está na música há cerca de quatro décadas. O que o motivou a abraçar esta carreira artística?

Iniciei a minha carreira em 1969. Mas primeiro dizer que ve­nho de uma família de músicos. Os meus tios, da parte da minha mãe, eram músicos. A maior par­te deles fazia música, mas quem me deu os primeiros ensina­mentos foi o meu irmão mais ve­lho. Por razões de vária ordem, ele esqueceu-se, mas eu não me esqueci e voltei a ensinar-lhe a tocar. foi daí que constituímos o nosso grupo. Nessa altura, o gru­po designava-se “Os Bárbaros” e, geralmente, tocávamos nas festas. A primeira vez que eu to­quei foi no conjunto Casimatis. Eu tocava a viola a solo. Alugáva­mos instrumentos nos estúdios da Delta Rádio e íamos tocar no Benfica. Depois, fui tocar para o Topázio. Foram anos de muita experiência entremeados por ac­tuações em muitas discotecas e casas de pasto.


A banda RM foi uma das mais mediáticas que o país teve. Como é que integrou o grupo?

Esse era projecto da Rádio Moçambique. Nós íamos tocar, de vez em quando, para as festas da Rádio ou qualquer convívio da Rádio. Éramos convidados para boates e, para tal, fazíamos uma selecção de membros de di­ferentes grupos, porque já nos conheciamos. Já havíamos gra­vado juntos na editora 2001. Era eu, o Pedro Ben, Wazimbo, Zeca Tcheco, Sox, Abel Chemane. E daí, surgiu o projecto de formar­mos o grupo RM. Começámos a tocar todos ao mesmo tempo.

Em termos de repertório, o grupo RM sempre se caracteri­zou pela diversidade. Como era feito o repertório na banda?

Havia uma divisão. Havia uns que compunham e outros que interpretavam. Todos os instru­mentistas eram bons. Contribuí­am com ideias e aí saía uma mú­sica diferente da que se tocava na época. E veja que o grupo RM foi tão bom, tão bom por causa do tempo em que surgiu. Assim como apareceu o Jaimito naque­la altura. Era muitíssimo bom. Se aparecesse neste momento se­ria um bocado diferente. Agora há muitos grupos com outras ex­periências. O grupo RM quando apareceu foi o melhor.

Houve quem dissesse que José Guimarães era o “coração” do grupo RM. Confirma isso?

Não posso negar, também não posso afirmar categoricamente. Mas eu compunha a maior par­te das músicas. As melhores mú­sicas. Mesmo quando o grupo ia para baixo, era eu quem com­punha as músicas “mais-mais”, com a ajuda de todos claro. Mas eu trazia o esqueleto feito. Só a execução e outros pareceres eram dados por parte dos cole­gas. Mas sempre foi assim. Até hoje, continuo a gravar à minha maneira, sem o grupo RM. Uma das coisas em que estou a pensar agora é gravar uma música que estou a trabalhar com o próprio grupo RM.

O Grupo RM viveu alguns mo­mentos turbulentos pela saída de alguns dos seus integrantes. O que o fez sair do grupo RM?

O que aconteceu foi o seguin­te: Estávamos todos à espera de um convite para tocar no espectáculo do músico inglês Eric Clapton. Foram escolhidos alguns do grupo para tocar no referido concerto. Nós sabía­mos que tínhamos que fazer um pedido escrito de autorização à Direcção da Rádio. Fiz. Inclui alguns colegas, o Paíto Tcheco, Leman Pinto e Wazimbo. O di­rector respondeu positivamen­te. Alguns colegas deram a volta e foram dizer à Direcção que es­tava a criar uma banda fora com um inimigo da Rádio Moçambi­que, que era o Aurélio Lebon. Logo depois, o director veio dizer que “desautorizo o que autorizei”, assim verbalmente. Não havia de perder a oportu­nidade de tocar ao lado de Eric Clapton, por ser do grupo da Rádio. Continuo a ser músico mesmo fora do grupo RM. Por­que o meu objectivo era actuar, fui tocar.

Aconteceu que nenhum mem­bro da direcção foi assistir ao espectáculo. Mas tiveram o rela­tório. De quem é que foi? Signi­fica que havia algo já preparado para complicar a minha vida. Quando voltámos à Rádio, fui chamado para me dizerem que estava suspenso da Rádio. Mas os colegas que tocaram comigo não foram suspensos e não sei porquê? Eu é que era o alvo a “abater”. Durante o período de suspensão, ia à Rádio Moçambi­que para gravar com o Fernan­do Azevedo. Era forma de fazer dinheiro e ocupar o tempo.

Essa questão ainda o magoa até hoje?

Logicamente que sim. Só que isso ensinou-me uma coisa. Aca­bei tendo um quiosque e alguns bens. Deixei de depender de patrão e da Rádio Moçambique. Ganhei juízo. Se estivesse a tra­balhar na Rádio Moçambique, não teria ideia de construir o meu quiosque. Mas, por causa dessa situação, acho que fiquei muito melhor. Por um lado, des­trui parte da minha vida, mas ensinou-me outra coisa. Isso para mim foi positivo.

Viver só de música em Mo­çambique não tem sido pêra doce. Como é tem sido a sua ac­tividade artística actualmente?

Continuo a fazer gravações. Costumo gravar uma a duas músicas por ano. Não gosto de preparar as coisas a correr, por­que isso não traz bom resulta­do. Admiro muito os jovens que gravam um álbum em cada ano. Alguns até totalizam catorze músicas, mas quando se pro­cura algo de jeito no tal disco, não se encontra. Não contém algo. Prefiro andar devagar. E quanto aos concertos, tenho fei­to sessões particulares. Não de grande vulto.

Músicos são pouco considerados

Com que olhos vê a forma como é tratado o músico moçambi­cano?

Há muita falta de consideração para com os músicos. Eu lembro-me de muitos concertos. Num deles veio o Martinho da Vila e a Malaika. Os dois grupos estrangeiros tinham camarins terrivéis que até pareciam hotéis. Nós estávamos sentados num outro camarim. Só jantámos às 02h00 da manhã. Trouxeram-nos chamussas e água mineral. Mas quando espreitasses lá para o outro camararim “mama mia”...

Há opiniões contraditórias so­bre o estágio em que se encon­tra a música moçambicana? O que tem a dizer sobre isto?

A música está a andar para fren­te. Não é muito boa nem muito má. Mas quero dizer aos músicos do sul, incluindo a mim mesmo, que a boa música vem do norte e do centro do país. Aqueles conjun­tos, os Djaakas, Massukos estão a fazer música seriamente. É música moçambicana. A música de verda­de vem do norte. Com o andar dos anos o norte vai suplantar o sul. O que não deveria ser, porque não estamos a competir. Não somos inimigos e nem adversários.

O que pode ser feito para que a música moçambicana atinja um nível aceitável?

Moçambique é rico em ritmos. Os músicos não se deviam dedicar a tocar músicas americanas. Quer di­zer, músicas americanas com letras moçambicanas. Não deveria ser as­sim. Tem Mapiko, Niketche, uma sé­rie de ritmos. Os músicos deveríam trabalhar nisso. Quem sabe se um dia um americano poderia querer tocar Mapiko. Os jovens estão nes­sa coisa de “hip-hop”.

Além de músico, é actor de cinema. Como vai a sua carreira no cinema?

Recentemente fui convidado para fazer o filme “O último voo do Fla­mingo”. Fiz também um filme na reserva. Às vezes, faço dublagem de voz, sub-posição de voz em alguns filmes. Tenho vivido assim.

Abdul Sulemane

Sem comentários: