Mestrado em Etnomusicologia pela Universidade do Cabo, o jovem moçambicano sonha com novos voos ao mesmo tempo que prepara o seu primeiro disco de originais com uma mistura eclética de elementos da música moçambicana e do Jazz Saxofone parece ser um prolongamento do seu corpo.
O casamento entre o homem e o instrumento é perfeito. Quase divino. O encontro entre o músico e o “domingo” deu-se, quase que por obra do destino. Ivan Mazuze fora convidado para abrilhantar um dos programas organizadas por ocasião do CNN MultiChoice African Journalist Award na Harbour House em Kalk Bay (Cidade do Cabo). Exibiu-se a contento. Interpretou temas da terra que o viu nascer e de outras paragens.
Explora fundamentalmente o Jazz nas suas variadas vertentes. Ex-aluno da Universidade do Cabo, onde obteve o grau de Mestrado em etnomusicologia com uma teste onde busca os significados da música nas cerimónias tradicionais de evocação dos antepassados, Mazuze aceitou rever, na primeira pessoa, aluns marcos da sua vida!
Ivan Félix da Conceição Mazuze nasceu na cidade de Maputo em 1980. A sua infância ficou profundamente marcada pela sonoridade típica dos bairros que rodeiam a cidade de cimento. O pai, grande apreciador de música, com faro paterno, pareceu advinhar os dotes do seu pequeno Ivan de tal sorte que, aos quatro anos, ofereceu-lhe um piano de brincadeira. Acabava de traçar, de alguma forma, o futuro do seu petiz. Aos 7 anos, ingressou na Escola Nacional de Música. Aprendeu piano clássico e mais tarde, por influencia do professor Orlando Conceição (Kinamataminkuluty) abraçou os instrumentos de sopro com particular destaque para o saxofone.
Durante 10 anos Ivan dividiu as brincadeiras próprias da idade entre a escola formal e a de música. Nos meados da década 90 iniciou carreira como saxofonista actuando ao lado de vários artistas renomados da praça. As suas “performances” ganharam notariedade. O seu nome passou a fazer parte da agenda cultural de Maputo a noite...
Largou o piano para revelar-se um excelente saxofonista. Por onde anda o pianista?
Nunca saí do piano. O que aconteceu é que adiquiri os sopros (saxofone) como segundo instrumento; como se sabe o piano é o instrumento-base e todos os músicos deviam conhece-lo e domina-lo dado que é ai onde se introduz a teoria musical.
O teu percurso é singular. Praticamente saiste da escola de música para os grandes palcos...
e muito novo... e subitamente soubemos que estávas na Cidade do Cabo a estudar música.
É verdade. Eu terminei a Escola de Música em 1996 e em 1999 fui admitido na Cape Town University (Universidade da Cidade do cabo, África do Sul) onde fiz as audições e embora tenha sido aprovado não pude iniciar imediatamente meus estudos.
Porquê?
Porque não tinha a 12ª classe concluída.
E então?!!
Então voltei a Moçambique para concluir a 12ª classe na “Francisco Manyanga” e em 2000 fui admitido na Universidade do Cabo.
De há alguns anos para cá, a Cidade do Cabo tornou-se uma referência especial para Moçambique no que diz respeito a artistas moçambicanos na diaspóra. Jimmy Dludlu, Frank Paco são os “gigantes” que avultam. Serviram, de alguma forma, de inspiração para que optasses por aquela escola?
Não tenho dúvidas que é uma cidade-referência no panorama musical internacional e depois havia realmente muitas referências moçambicanas lá e de grande valia como sejam os casos de Jimmy Dludlu, Frank Paco, John Hassan... mas falo principalmente de Jimmy e Frank que vem da mesma universidade. E isso foi um incentivo para mim. Na escola aprendi que com o conhecimento, a pessoa torna-se livre. A Universidade de Cape Town tem uma faculdade de música muito avançada. Eu estava no departamento de Jazz e valeu a pena.
MESTRADO EM “PSIKWEMBUS”
Ivan Mazuze licenciou-se em Ensino Prático de Jazz e no ano passado fez o seu mestrado em Etnomusicologia com a tese intitulada “O Significado da Música nos Rituais de Psikwmbu no Sul de Moçambique”.
A escolha do tema foi algo natural, como ele mesmo reconhece dado que viveu parte da sua infância no Chamanculo onde cerimónias de evocação de espíritos são frequentes. As noite enluaradas são, bastas vezes, sulcadas de batucadas e cânticos conclamando os mortos para ajudar os vivos. Para a tese, Mazuze entrevistou vários médicos tradicionais e curandeiros, participou em cerimónias de evocação de espíritos.
O resultado é um texto riquíssimo de 125 páginas e imagens que tornam a sua leitura bastante agradável. Sobre a experiência diz o seguinte: A minha tese está baseada num ritual frequente em Maputo (fiz o trabalho de campo no Chamanaculo, Maxaquene e “Jardim”). A motivação tem a ver com a minha própria infância; dos 5 aos 7 anos vivi com minha avò no Chamanculo e tinha uma vizinha que era curandeira, tocava-se batuques durante aquelas cerimónias e sempre que perguntava a minha avó ela só dizia: “é psikwembu”.
E o curso, fizeste-o no tempo certo?
Fiz. Graças a Deus. Fiz o bacharelato e licenciatura em Ensino Prático de Jazz. E no ano passado fiz o mestrado em Etnomusicologia.
Escolheste um tema que é, de alguma forma, tabú. Como foi isso?
Isso é verdade. Aliás, existe pouca literatura sobre o assunto. Bem... como eu disse, tive a felicidade de na minha infância tive várias oportunidades de assistir a cerimónias de evocação de espíritos e como a minha área de formação é a música, achei por bem abordar a importância da música nessas cerimónias.
E como foi a abordagem com os curandeiros?
Não tive muitas dificuldades. O maior desfio foi conquistar a confiança das minhas fontes. A metodologia que usei baseiou-se fundamentalmente em entrevistas, participação e audição das músicas que são tocadas para a manutenção da ligação entre os seres vivos e os espíritos. As pessoas mostraram-se abertas e falaram sem problemas sobre essas práticas. Acho que uns anos atrás, teria tido mais dificuldades de obter dados devido a uma série de constrangimentos quer de natureza social quer políticos. Os meus informantes foram muito prestativos. Ficou satisfeito com os resultados da sua pesquisa? Gostaria de expandir o estudo que fiz que julgo interessante. Acredito que existem poucos estudos, ou quase nenhuns sobre este tema. Quem sabe se não poderia culminar com um disco inspirado em música de psikwembos? Ou um livro!
AQUI É POSSÍVEL VIVER DE ARTE
Na região austral do continente africano, a África do Sul lidera inequivocamente o “ranking” da produção e comercialização de produtos culturais. A industria musical, por exemplo, está na vanguarda. Músicos como Fany Mpfumo, Alexandre Langa construiram parte significaiva das suas carreiras na África do Sul. Gito Balói, Jimmy Dludlu também ganharam notariedade nas terras do “rand”.
Ivan Mazuze pertence a nova fornada de artistas – incluindo Júlio Sigaúque e Cabral – à conquista daquelas terras. São dele as seguintes palavras: Tenho tocado regularmente com grandes nomes como Jimmy Dludlu, “Loading Zone”entre outros. Toquei também com os “Tucano-Tucano”. Tenho também os meus projectos pessoais e estou a preparar o meu disco já há algum tempo... É um disco híbrido mas é aquilo que eu designo por Jazz...é uma mistura de elementos de música africana e elementos de Jazz...
Afro-Jazz?
Pode-se dizer que sim mas as vezes é dificil definir... o Jazz é tão abrangente hoje em dia; há muitos ramos...
E que tal tem sido o dia a dia com outros moçambicanos?
O relacionamento com outros músicos moçambicanos é excelente; especialmente com os mais velhos tem sido uma escola permanente.
Também tocavas com os Loading Zone. Essa aliança continua?
Toco sim. Os Loading Zone baseam-se muito em ritmos de moçambique. É uma banda que existe há muito tempo e com uma rica história. Os Loading misturam ritmos moçambicanos com ritmos de música moderna. Tem sido uma escola bastante interessante.
Muito bem... Planos imediatos?
Vou continuar a actuar. Gosto de tocar ao vivo e quero manter esse espaço na minha vida artística. Também ofereci uma cópia da minha tese de mestrado a Escola Nacional de Música. É a minha primeira e modesta contribuição para a escola que frequentei.
É possível viver da música aqui?
A industria musical na África do Sul está muito desenvolvida. O circuito tem outro nível, outras exigências, consequentemente o retorno é outro e claramente superior ao que se ganha em Moçambique. Eu vivo da música há 8 anos. Aqui isso é possível.
Escrito por Beladamugy
1 comentário:
O prof. Marcos Tadeu Cardoso, autor de três livros, cria projeto para realização de pesquisas em países estrangeiros, preferêncialmente os que falam a língua portuguesa, como Portugal, Ilha da Madeira, Arquipélago dos Açores, Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O desejo da pesquisa é levantar materiais para que possam ser publicados mais dois livros direcionados tanto ao elemento histórico quanto do comportamento humano ou seja da Linguagem Corporal. As propostas podem ser tanto de empresas públicas ou privadas, professores universitários ou mesmo instituições.
Os interessados devem entrar em contato com o professor pelo seu e-mail ou mesmo telefone.
0xx5538 3223-5534
0xx5538 9804-6580
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mar.cj@hotmail.com (msn)
Marcos Tadeu Cardoso
Prof. Historiador e escritor
http://marcostadeucardoso.blogspot.com
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